12/27/2007

Propaganda publicitária feita por Jano...

.........."Há sempre algo a esquecer, Vodka sempre te ajuda com isso"

A casa de Jano, quando ele foi morar na floresta.


Jano veio morar nessa casa quando completou 32 anos. Ela pertencia a um de seus tios, irmão de sua mãe. Como a casa iria ser doada Jano resolveu ir morar nela.

Obs.: Se pretende entender, leia as duas partes da estória que estão logo abaixo.

A estória de minha própria loucura parte 2 - não sei até quando escreverei pra ninguém ler

Obs.: Se pretende mesmo ler, procure a primeira parte antes de ler esta.

A chuva porém, não vinha há alguns meses e ele sentia um pouco sua falta. A sua frente, grandes áqvores de longos anos de vida farfalhavam suas folhas ao vento e se fechavam mais e mais até se transformarem um uma cortina verde.
Jano temia mudanças, temia muito não conseguir voltar para a sua casa, mas mesmo assim ele estava para sair e ir um pouco mais além naquela floresta no alto da montanha. Desvendar um pouco mais da história de sua terra e de suas raízes. Desceu o último degrau da escada tocando o solo argiloso com seu par de tênis mais que surrado. Fechou as mãos com força e sentiu o terrível medo em seu estômago. Sim, ele havia concluído que o medo se manifestava nele em seu estômago e por isso tentava combatê-lo por meis esquisitos como beber água gelada ou mesmo mudar sua respiração para uma mais diafragmática, tendo então que inflar a barriga para inspirar, o que massagearia seu estômago fazendo com que ele se sentisse mais confortável.
Começou a andar sem olhar pra frente, olhando apenas o chão como se estivesse envergonhado de estar fazendo aquilo. Seus passos eram inseguros mas mesmo assim ele avançava em direção da floresta. Passou pelas árvores de amoras que estavam carregadas e apenas as acariciou com a mão esquerda, esperando que as árvores pudessem absorver todo o medo e mal estar que ele sentia.
Jano caminhava sem parar, sem contemplar nada ao seu redor, apenas voltado para o interior de suas memórias. Fazia isso naquele momento pois já havia, em tentativas anteriores, conseguido avançar até aquela parte da floresta.
Em sua mente ele se lembrou de sua dedicação por anos para poder lutar contra o seu medo, sua busca pelos conceitos espirituais que poderiam sanar sua alma. Aprendeu que todos nós temos na vida uma carga e que essa nunca é mais pesada do que o que conseguimos carregar. Ele sabia muito bem que o medo era seu aprendizado e deveria conseguir extrair dele a força para encarar os dias de frente. No entanto, Jano sempre tropeçava e caía de onde havia conseguido chegar em profundos possos de desespero sem sentido.
Enquanto caminhava ele se lembrou do dia em que havia acordado no horário de sempre para ir trabalhar e quando lá chegou, fora surpreendido por um dos seus superiores que lhe gritava:
- Jano, não entendo o que está acontecendo com você! Por acaso você é retardado? Como você pôde criar slogans tão idiotas para as campanhas de marketing que temos que entregar até a próxima semana? "Salven-se de vocês mesmos, bebam conhaque." "Há sempre algo a esquecer, Vodka sempre te ajuda com isso". Isso é um absurdo! Você transforma os consumidores em doentes que bebem por motivos que eles não querem admitir, que não precisam pensar.
- Chefe, eu estava apenas querendo dar um certo conforto as pessoas, transformando o produto em um amigo ou uma saída pro mundo em que vivem para um mundo melhor...
- Ninguém espera um mundo melhor no fundo de um copo Jano! Você é um incopetente, um doente! Recrie para hoje toda a campanha desses clientes ou você será colocado no olho da rua!
Jano não respondeu, epenas abaixou sua cabeça e contemplou o chão. O medo gritava forte em seu estômago. Suas mão tremiam. Ele queria estar sozinho, em um lugar longe de todos e principalmente, queria que a Elisa não tivesse presenciado aquela cena.
Elisa era uma mulher de 27 anos de cabelos pretos e pele branca. Naturalmente quieta e amistosa. Não havia muito contato entre ela e Jano, já que sempre trabalhavam em projetos diferentes ou em etapas diferentes de um mesmo projeto. No entanto, Jano a observava e a desejava. Ele gostava de pensar nela como uma espécie de oásis em meio a seu complicado universo. Gostava de imaginar como seria o toque de sua pele e o gosto de sua boca. Mas não havia tido ainda coragem o bastante para apostar em algo mais concreto com ela. Ainda mais agora, depois de sua humilhação em público. Mas não era esse o único motivo de ele não chegar perto dela. Ele constumava, além de seus outros mecanismos de pensamento, imaginar passo a passo o futuro. Imaginou que Elisa e ele seriam infinitamente felizes juntos mas que esse infinitamente iria acabar um dia e tudo se tornaria um compromisso disfarçado de felicidade onde na verdade houvesse apenas o comprometimento com o outro. Ela acabaria procurando amantes para poder sair da atmosfera densa que ele com certeza acabaria criando em torno dos dois e, ao fim de tudo, faria com que ela o odiasse.
Jano preferia não ter nada do que ter o ódio de Elisa por ele. Então ele preferia não mudar o curso de seu destino de permanecer sozinho.
Naquela tarde, quando Jano entregou em um grande envelope os resultados árduos do dia de trabalho, ele se dirigiu ao seu carro no estacionamento. Tudo o que ele almejava naquele momento era a segurança do interior do seu carro com vidros fumê e música alta, que disfarçasse sua alta respiração diafragmática, seus gemidos de dor e seu pânico momentâneo. Caminhava como sempre com os olhos voltados para o chão e não percebeu que alguém lhe esperava no estacionamento.

12/26/2007

A estória de minha própria loucura parte 1 - não sei até quando escreverei pra ninguém ler

Havia um mundo a ser conhecido dentro de sua própria mente. Uma realidade completamente livre de algemas impostas por irregularidades mentais, manias e pseudo-esquisofrenias. Levantou-se a caminhou até a porta do seu quarto. Lá estava pendurado o sino azul que usava toda vez que tinha que sair ao campo pra um lugar onde acha que poderia não conseguir encontrar o caminho de volta. Como sua casa era situada em um local completamente distante da cidade, em meio às montanhas, ele temia se ver perdido na floresta próxima de sua casa.
Bem, pelas suas contas, hoje era sábado. Era uma bela manhã e tudo estava perfeito pois ele havia preparado seu pão e seu chá gelado na noite anterior. Com o sino azul na mão esquerda, ele caminhou com suas sandálias baixas para a cozinha de sua modesta casa, seu refúgio de alguns mundos externos com os quais ele não conseguia nunca lidar. Abriu a geladeira velha e de lá retirou seu chá gelado (chá mate com pitadas de limão) e colocou-o em um copo de plástico amarelo que estava em cima da mesa. Abriu o guarda-pão e retitou uma fatia com uma faca de cabo queimado. Hoje era um dia perfeito pra colher as amoras e pra conhecer um pouco mais da floresta que se estendia diante de sua residência. Mastigou o pão devagar e tomava pequenos goles do chá enquanto contemplava meio que absorto a porta aberta que dava para o lado de fora da casa. O sino azul sobre a mesa aguardava seu ritual matinal terminar.
Levantou-se da mesa e escovou os dentes, colocou uma música e fechou-se no banheiro. Ajoelhou-se no chão e olhou pra suas próprias pernas numa tentativa absurda e esquisita de se encontrar. Sentia medo por estar sozinho mas ao mesmo tempo sentia-se aliviado por não ter que lidar mais com as críticas e com o mundo do lado de fora de sua propriedade. Tinha 36 anos, cabelos curtos e um corpo magro e alto. Chamava-se Jano. E não sabia quanto tempo ele ainda teria que conviver com essa dificuldade de conseguir entender, de conseguir sair de casa e ver outras pessoas. O mundo fora cruel com ele, mas numa proporção normal, a mesma aplicada a todas as outras pessoas que nele vivem. Mesmo assim, ele se sentia como se fosse especialmente machucado pelo mundo, testado até não conseguir mais e preso em seu mundo interno.
"O difícil mesmo era ter que explicar - pensava ele - ter fazer com que todos conseguissem entender como funcionava minha mente pra que elas conseguissem me aceitar e não me achar uma pessoa tão nociva."
Mas não adiantava, tudo era doloriado demais. Ele preferiu a solidão.
Saiu do banheiro de roupa trocada, cabelos alinhados e apanhou, na mesa da cosinha, o sino azul. Se encaminou até a porta e saiu por ela. Um vento lhe refrescou a alma e ele se sentiu confortável, sentimento raro pra uma pessoa em sua condição. Pensou naquele momento que todos os seres viventes do mundo poderiam sentir aquilo, e que apesar de tudo, esse era na verdade um dos maiores objetivos da vida de cada ser: o confortável, seguro...

Desceu dois degraus da escada que terminava em chão de terra, um chão com alta concentração de argila que costumava ficar muito escorregadio quando chovia.

12/13/2007

eu te esperei sob a névoa da manhã
quando esta ainda não havia deixado de ser noite
e você veio trazendo flores
que cobririam meu peito assim que eu deitasse

e um nefasto e belo mundo que eu não conhecia
um universo parelelo que só contemplava em espírito
começou como um ritual ao meu redor
consumindo e cobrando seu preço em moedas nuas

eu me deitei em um solo árido demais
que roubava a água do meu corpo
e com o rosto cadavérico eu lhe observei de pé
dominadora e austera, com as flores na mão

meus pés foram amarrados juntos
para que os passos deixassem de ser
para forçar minha carne a não partir
para que as solas não tocassem mais o chão

e minhas mãos tapavam minha boca
meus olhos reviravam
e meu corpo temia em não sentir
pois o anestésico fora forte demais

chamas dentro de chamas
uma espiral de secreções
humano repentino
eu acordei me sentindo

na alquimia do cinza
na solidão indiscriminada
milhares ao redor
apenas eu em mim

11/21/2007

ENDORAMA


Estou me dedicando muito a esse novo projeto, compondo sem parar. Aqui, alguns poemas musicados:

01 - Uma armadura até a metade do coração

Há lugares pra onde vamos caminhar
Horizontes que tentamos desvendar
Há verdades que não podemos entender
Há instintos que não se podem mais conter

Há amores que só sabemos desejar
Há dúvidas pra quem quer desfrutar
E só as estrelas vão nos entender
Quando ninguém consegue mais nos conceber

Ninguém vai me dizer como eu tenho que viver
Ninguém vai me dizer
Vai me dizer

Portas se abrem para não passar
Caminhos infinitos pra se aventurar
Destinos almejados jogados ao vento
Há portas entreabertas a se derrubar

E há dias em que ninguém sabe o que seremos
Noites regadas ao frio do que parecemos
Há máscaras demais em nossos corações
Armaduras que não protegem de ilusões

Ninguém vai entender o que eu tento dizer
Ninguém vai me dizer, Vai me dizer
Ninguém vai despertar, parar de sonhar
Ninguém vai me dizer porque não sobreviver

E mais ninguém
E só nós dois
Seremos, veremos.......o depois

02 - (Não) Me diz não

se vc quer sair eu vou parar de pensar
por tantos anos isso foi tudo o que eu imaginei
e acordar depois
e encarar depois
não há sentido, não
deixa eu dormir agora
deixar eu ficar de fora
desse mundo sem razão

Me pede logo pra parar
Me para logo pr'eu saber
Só não me diz não
Me diz não!!!

03 - Perfeito

o vento me leva
pra ver o mundo
pra olhar no espelho
e ver quem eu sou

o vento me leva
pra uma praia deserta
pra me descobrir
pra não te ferir

perdoe-me por errar
eu te prometo
serei perfeito

o sol lá fora
me leva pra ver
como nós fomos
todos erramos

perdoe-me por errar
eu te prometo
serei perfeito

04 - Para Letícia

contra o vento me disseram que é difícil caminhar
que é difícil olhar pra frente e nisso tudo enchergar
que na vida tudo é feito e planejado pra nos vencer
que as estradas estão fechadas e não ha futuro a viver

tudo que eu quero é dizer
tudo o que eu quero está escrito em vc
e não há muros pra me parar
e não há vendas pra me cegar

"contra o vento" - me disseram - "vc terá que lutar"
"nada é feito de verdades, belos doces à defrutar"
construimos nossas vidas nas verdades que nos contaram
nos trancamos entre as grades de um mundo que nos empurraram

e não há futuro que vá me prender
nem o presente nem o passado
e não há destino senão o que eu escolher
meus ideais estão traçados

05 - Há dois anos atrás

se um dia eu entendi eu esqueci há dois anos atrás
como a cor que eu vi em seus olhos há dois anos atrás
todas as respostas de todas as perguntas feitas tarde demais
tudo o que eu perdi, eu perdi há dois anos atrás

todos os meus sonhos já morreram há dois anos atrás
todos os amores me deixaram há dois anos atrás
e eu que me perdi por te esperar um pouco demais
tudo o que eu fui eu deixei de ser há dois anos atrás

as páginas em branco que eu deixei não me importam mais
os risos, as cores que se foram a tempo demais
eu que não aprendi a deixar o passado pra trás
vivo meu amor nas sombras de dois anos atrás

há dois anos atrás

e estou livre voando no céu
olhando bem as luzem lá em baixo
procurando o que eu deixei pra trás
toda uma vida a dois anos atrás

e o vento forte me leva pra longe
me faz ver bem todo o horizonte
me mostra o dia depois da noite
me acorda de vez desse sono

de dois anos atrás

06 - A velocidade do som

a distância disse tudo
tudo o que eu não quis ouvir
verdades e mentiras pra me distrair
onde vc foi
o que nos tornamos
por quanto tempo nós vamos esperar?

dentro daquela manhã
vc se foi e me disse
que não ia mais voltar
que ia se internar
pra tratar a loucura do mundo que havia em nós

dentro daquela manhã
palavras que eu não sei
cortaram meu coração e
como se não bastasse não
fiquei só e sem minha razão

tudo que vai
volta na velocidade do som

mas ninguém mais voltou pra mim

a distancia disse tudo
me contou que você foi morar longe
onde minhas cartas não vão chegar
algum lugar bem longe
onde o frio não vai importar

memórias e sonhos
janelas onde posso te olhar
mas não vão te trazer
já é tarde pra crer
que sua luz ainda teima em brilhar

tudo que vai
volta na velocidade do som

mas vc nunca mais vai voltar....

10/06/2007

Uma menina quando chega a puberdade se ente linda e tenta se vestir para uma festa. Ela vai até seu armário e pega o que acha, de acordo com sua concepção, o seu melhor vestido. Ele é porém, um vestido velho. Se encaixa perfeitamente as dobras, às curvas recém modeladas pelos hormônios. Confortável, o vestido parece fazer parte seu organismo. Uma simbiose onde ela dá movimento ao vestido e ele lhe oferece em troca a sua própria beleza.
Ela se olha no espelho e vê o vestido desbotado. O vestido que vestira sempre. Desde de sua infância prolongada.
Ela tinha agora pouco menos de trinta e se sentia agora, bem tardiamente, uma adolescente. Assistia a filmes pornôs e ria baixinho. Tentava conversar com as amiguinhas (essas sim, de 15 anos) sobre beijos roubados e menarcas. Essas porém já falam de sexo, de verdade, em variedade.

A menina se olha no espelho e percebe pela primeira vez que o vestido de todos aqueles anos não serve mais para uma festão tão pomposa pois já está gasto e provavelmente a pequena cidade em que morava já tinha se cançado de vê-la vestida com ele.

A menina pensa em deus, e se pergunta, porque eu tenho o fardo da escolha? Eu tenho uma vida e agora não sei o que fazer com ela. Não posso simplesmente dizer: "não quero ter que fazer isso" e ´parar com essa novela das 8? Deus a deu uma vida e ela tinha que criar seus caminhos, tinha que comprar novos vestidos e constituir família. Ela não podeia viver assim pra sempre. Então o inferno ficou mais quente. A menina percebeu que teria que tomar uma atitude, mas a dúvida de se iria com o vestido mais novo e que lhe pinicava o corpo e a o vestido velho e confortável estava lhe consumindo.

A festa começou. Todos estavam lindos em suas roupas. Algumas velhas, algumas alugadas, algumas novíssimas. E eis que a menina desce as escadas vagarosamente. E todos param na festa para olhar quem era a beldade que descia. Aquela maravilha que não era mais adolescente, já era uma mulher de verdade, mas que ainda não conseguira entender isso. Ela descia devagar, degrau por degrau e os queixos de cada um na festa se abriam para demostrar o quenato estavam lisongeados com a presença da menina.

E eis que surge correndo um dos criados da casa e lhe fala, em tom desesperado ao ouvido:

- Menina, que porra é essa?
- Menina é o caralho, Dona Georgina, sou uma mulher!
- Desculpe, senhora... mas é que a senhora está nua!
- Nua não, tenho os sapatos altos e minha pulseira e meu colar.
- Mas não pode ficar assim na festa...
- Como?
- Não vê que isso é um absurdo?
- Criado, minha vida é um absurdo! O fato desse corpo está se movendo é um absurdo. O fato de haver o que chamam de força divina nesse monte de carne é o que mais me deixa pasma. Eu tenho essa vida, não foi minha escolha ter que vivê-la. Sempre me escondi no passado. Tive que finalmente tomar uma decisão: ou eu continuava no passado, ou eu rumava para o novo. Eu não podeia ficar estática diante de uma vida a ser vivida.
- Mas o que isso tem a ver com roupas? - perguntou então um já mais que enlouquecido criado.
- Tem a ver com as roupas, com as feições, com tudo o que eu externo! Eu não quero o passado, nunca mais, e o futuro óbvio que me oferecem me desagrada. Então, o que tenho a dizer é que de hoje em diante eu contruo meu futuro como eu quiser.

O criado continuava sem entender porra nenhuma, até porque ele não estava na cabeça da mulher. Ela terminou de descer as escadas nua. Quer dizer, nua não, com sapatos de salto alto, uma pulseira e um colar e uma cabeleira linda lhe adornando as costas. Foi falar com os convidados. Não se importou com aqueles que comentavam que ela havia se tornado uma vadia.
No dia seguinte, acordou cedo, ainda de ressaca. Colocou uma roupa de malhar, colada. Olhou pela janela do segundo andar da sua casa. Viu a distância da sacada até o chão. Seria uma bela queda. Então ela se pendurou do lado de fora, colocou o pé em uma quina da parede, segurou em uma outra aresta e foi assim, descendo a parede até lá em baixo. Quando lá chegou, começou um cooper matinal, enquanto o sol terminava de nascer. Em seu mp4, uma canção que repetia sem parar "nothing can stop me now, cause i don´t care anymore".

E todos viveram felizes para sempre.

Verdade


Uma pessoa
De verdade
Sente pouco
Vê mais
A verdade
Em sua fronte
Em sua verdade
Em sua malícia
Em seu ipod
A verdade
No espelho
Na balbúrdia
Na sangria desesperada
Mais ar
Mais líquido
Pra respirar
Uma pessoa
Um ser humano
Um homem de verdade
Vê o mundo
O mundo não o vê
Estático
Paralítico
Com o seu "the road"
Ele deveria se divertir mais
Num mundo
Conceitual
Com bucetas e caralhos
Com verdades de mentira
Mentira
Mentira
Cavalo
Eu tira isso de mim
Mãe me dá
Limpa
Tubo
Metafísico
Tubo
Canudo
Cano
Porra
Uretra
Porra
Uma pessoa
de verdade
Vê a verdade em si
E vê a verdade que emana refletida nos outros
Eu sou de mentira
Eu sou de mentira
Eu sou de mentira
!
!!
!!!
!!!!

9/27/2007

Cap 2

Canavieiras, lá na Bahia. Ficava bem distante da sua casa e além do que pudesse parecer, ela havia ido sim àquela cidade para sofrer e não para desfrutar de suas belezas naturais construídas pelos portuguêses que haviam se instalado ali por volta do séc. XVIII. Havia em um último ato de auto-piedade ido até lá de avião e não de ônibus, mas quando chegou à cidade, sem nada saber, nem seu nível de criminalidade, nem o tamanho dos bairros ou quanto tempo teria que andar para chegar da casa onde ficaria hospedada até uma padaria para poder tomar o seu café duas vezes por dia, pelo menos.
A idéia de ter que se locomover através da cidade por linhas de ônibus a deixava totalmente insegura, não conhecia seus destinos e na verdade, não sabia o seu próprio destino. Pensando dessa forma seria então bem fácil se locomover dentro de Canavieiras. Era só pegar um ônibus qualquer e descer em um ponto qualquer. Ela estaria indo pra algum lugar que na verdade, nem imaginava onde poderia ser. A idéia de total desconhecimento à tomou pelo braço e a fez cambalear e procurar rapidamente por um lugar para sentar. Hvia em seu bolso, o valor para voltar de avião para a sua cidade no próximo vôo, que demoraria cerca de 4h. Mas essas quatro horas de espera já a deixavam anciosa e ela não queria ter que imaginar que ficaria essas quatro horas em um aeroporto, longe, muito longe de seu castelo imbatível com seus pais como guardas e cavalheiros que nunca a deixariam ser atingida por nada nem ninguém.
Resolveu fazer o seguinte, sentou-se e parou para imaginar o que poderia estar acontecendo, que seu corpo estava funcionado e que sua mente estava funcionando, ela estava viva. Suas pernas e braços estavam perfeitos, ela também podia falar, ou seja, a locomoção e a comunicação estavam ainda de pé. Suas dores de êstômago podeiam ser curadas por doses costumeiras de analgésicos e anti-espasmódicos. Tudo o que ela precisava estava ali com ela. Fixou a visão em um parafuso da cadeira onde estava sentada e começou a tentar a esquecer o mundo lá fora. Só importavam ela e o parafuso. Ela foi percebendo que todos os fantasmas que estavam encomodando não podeiam mais falar pois ela havia estabelecido um diálogo, ela só falaria com o parafuso. Ohou seu brilho, sua fenda, ima ginou o contato que deveria estar tendo com o material logo abaixo dele, o qual estava parafusado. Imaginou sua temperatura, sua cor, sua dureza. Viu que sua dor estava passando. Ela começou a conhecer bem àquele parafuso e se tornou completamente amiga dele. Eles já eram tão íntimos que ela pensou: "ei parafuso, se eu passar mal aqui, você vai me ajudar não vai?" E como resposta do parafuso, ela imaginou: "claro, afinald e contas, amigos são pra essas coisas."

9/20/2007







"a cada minuto que passa há uma chance de virar a mesa."
-vanilla sky

"o que eu quero, eu vou conseguir"
-raul seixas

"nothing can stop me now, cause i don´t care anymore"
-trent reznor

9/19/2007



DIÁRIO

Segunda vez, espero que não se torne uma constante. Hoje estou pensando em me "desligar" mais do que o normal. Há muito tempo não penso com tanta frequencia. Fico me perguntando se será assim o meu fim, algo escolhido por mim mesmo.

Na verdade, não há como explicar os motivos pois nem eu sei, nem eu me entendo. Talvez o problema seja apenas o existir.

Quem nunca imaginou sua própria morte? Quem nunca pensou nela como alívio? Pois bem, não sou mais um adolescente cheio de hormônios, há peso em minhas palavras. Eu queria poder controlar o que eu tenho sentido, essa luz e sombra. Tão mais complexa é a verdade que se esconde.

Mas aguardo pacientemente esse período passar. Pedindo desculpas àquelas que me rodeiam e que não me entendem, eu sou assim, um ponto de interrogação com duas pernas, dois braços e um coração.

Que assim seja, em nome da grande mãe.

9/18/2007







Será que eu sempre me importo demais com o sentido das coisas, não deixando estes (os sentidos) correrem livremente e mostrarem o seu maravilhoso e simétrico resultado no final?
Será que eu me ancorei em sentidos que de nada vão funcionar e por isso estou em um cíclico moddo de pensar/agir que nunca sai do lugar?
Será que sou fraco o bastante para não tomar as respectivas atitudes que poderão virar a mesa da minha vida a qualquer momento?
Será que algum dia desses, de sol ou de chuva, meus sonhos serão realizados?
Será que todos morrem tendo ao menos um sonho que possa ter sido vivido, nem que por segundos?
Será que minha cabeça está mais nas nuvens do que meus pés no chão?
Será que o universo conspira contra ou a favor de tudo o que eu quero?
Será que eu sei o que eu quero?
Acordar e não saber qual será o próximo passo é na verdade uma das coisas mais dolorosas que podem acontecer a um ser humano. Muitos aposentados morrem por isso, porque durante a vida toda sabia que ao acordar, aquele era o passo a ser dado. Se acostumaram em nunca ter que pensar e procurar muito pelo sentido da vida até que as únicas coisas que lhes restam são as perguntas, os questionamentos que eu mefaço agora. Eles preferem morrer, seus corpos se apagam como uma gota de chuva que cai no oceano e se mistura a sua infinidade. Tudo vai para um mesmo lugar.
Quero dizer que não sei qual será meu próximo passo, e que ainda não estou pronto para dar um mergulho, então, vivo em dois mundos.

Viva, foda-se o que é que tenha que ser vivido.

9/12/2007

Cap 1

Ela despertou. Não estava em sua cama como de costume. Os primeiros segundos logo antes de abrir os olhos lhe pregaram uma peça fazendo com que ela imaginasse estar segura, dentro de seu apartamento onde morava sozinha no interior do Rio de Janeiro. Não, ela estava agora muito longe de casa, e mesmo que precisasse de seu paz, de seu canto, ela precisaria viajar pelomenos três dias de ônibus para poder chegar à sua casa.
O fato de acordar em um lugar praticamente desconhecido a fez se encher de um repentino medo. Nada daquele quarto na verdade a amedrontava, somente a idéia de estar distante e incomunicável de todos os que conhecia e de não poder se sentir a vontade pois estava como hóspede de um casal de velhos.
Pagara uma diária extremamente baixa para poder passar ali a noite e guardar sua bagagem durante o dia, mas ela não tinha nenhum tipo de privacidade, ficando a mercê dos costumes e manias daquelas duas pessoas que poderiam ser seus avós.
Ela se levantou taquicárdica e lembrou-se do que estava fazendo ali: estava tentado dominar o medo que sentia dentro de si. Havia se entipido de remédios faziam os sintomas desaparecer mas que não tratavam a causa. Havia pariticipado de aulas de meditação e todo um contexto de reeducação espiritual e tudo isso lhe tratava sim a causa do medo, mas eram na verdade métodos que agiam de forma homeopática e em fases agudas da doença ela se sentia pior que nunca. Sabia no entanto que a somatização de tantos problemas era algo desnecessário. Tinha 18 anos. Seu corpo sempre havia funcionado de forma perfeita. Ela podeia proveitar a juventude e correr o mundo pois seus pais possuiam uma boa estabilidade financeira. Mas tudo o que ela queria era ficar ali, enterrada em sua própria cama, temendo o próximo passo, deixando as horas passarem.
Decidiu repentinamente, em meio a uma fase aguda da doença (chamada medo) em forçar-se contra todo o que poderia lhe causar mal. Jogar-se de frente sobre as pontiagudas e ameaçadoras potencialidades do mal que a acometia.
Numa manhã, mais fria do que essa que ela estava agora, ela resolveu juntar poucas roupas em uma mochila, tomou um rápodo café, avisou aos pais que viajaria e eles, sem entender, ficaram preocupados. Porém, antes de fazer qualquer pergunta sobre essa tal viagem, ela já havia saído pela porta da frente. Ligaram rapidamente para o seu ceular:
- Alô...
- Garota, não entendemos nada, onde você está indo?
- Pai, estou indo lutar contra o meu medo, tenho que vender essa força que me comanda ou ficarei escrava dela pelo resto da vida.
- Mas filha, de repente assim.
- Pai, estou levando uma contidade de dinheiro que dará para aviagem que vou fazer, não se preocupem, eu ficarei bem.
- Mas, Júlia...
Ela havia desligado o celular e logo em seguida jogou-o em uma lixeira próxima. Havia levado sim uma quantidade de dinheiro significante, mas não para uma viagem como aquela. Ela sabia que provavelmente teria que se virar, mas era isso mesmo que ela queria provar, que ela era perfeita, cheia de capacidades e de beleza e que poderia amar o mundo assim como todas as outras pessoas o fazem, sem precisar programar cada passo a ser dado com cautela. Ela estava livre e morria de medo, mas mesmo assim ela continuava.
Na casa dos velhos, já um pouco distante de seu lar, não submetida a nenhum conforto, ela havia passado a primeira noite da sua vida em que não estava completamente segura de tudo o que a rodeava, de tudo o que iria acontecer. Pensou em voltar atrás inúmeras vezes, mas sabia que se fizesse isso, perderia completamente o respeito por ela mesma. Levantou-se morrendo de cólicas e dores no estômago (sinais de como o medo poderia se manifestar nela) e foi até a janela olhar para um lugar diferente, olhar para a sua nova casa, o mundo.

9/06/2007

Mokasjnasjd

Pela primeira vez eu uso um blog como um diário. Deve ser, pelomenos interessante para as que poderão ter acesso à isso. Obviamente, terei o cuidado de revelar apenas o que todos podem saber. Seria isso interessante? Não sei. Talvez eu me sentisse empolgado em ler o diário de uma pessoa, talvez alguém de quem eu gostasse ou de um total desconhecido. Sou muito fascinado por saber como diferentes pessoas encaram a vida. Ao que me paraece, algumas vivem dia após dia sem se importar muito com tudo o que lhes acontece. Essas, geralmente são as pessoas que não tem muitas opções e já se acostumaram em aceitar calado. Não sonham, não se visualisam no futuro, apenas vivem, tarefa após tarefa, dorme, acorda, come, trabalha... Existem também as pessoas que sempre estão em busca de diversão sem se importar também muito com o futuro. Elas se utilizam geralmente das sensações boas causadas por diferentes formas de "curtir a vida". Mas, geralmente a vida não pode ser somente curtida e o período dessas pessoas de viverem como mais gostam acaba. Geralmente, essas se tornam como no primeiro caso. Existem as pessoas que acham que viver é sofrer. Essas procuram religiões com cógigos e leis rígidas para seguir ou simplesmente se doam de corpo, de carne mesmo, ao trabalho pesado e braçal. Acham que curtir a vida é pecaminoso e vergonhoso, que conseguir coisas boas não é permitido e devem permanecer na dor pra sempre. Existem as pessoas que não conseguem ver nada além de seus objetivos. Elas respiram, dormem, comem, fazem sexo, tomam banho, sempre se projetando de acordo com seus objetivos. Elas esquecem a suavidade de viver feliz, não percebem pequenos detalhes que ocorrem nos dias em que vivem e acabm sendo, extiormente, mais frias. Eu sou um pouco deste tipo, um pouco "cego". Existem também as pessoas que sonham com o futuro, que sonham em ser de uma determinada forma que não são, de conseguir contemplar a vida de uma maneira muito superior, e sonham que isso será conseguido logo adiante, dali à poucos anos. Não vivem o presente, somente o futuro e por isso, não constroem nunca a base para se viver literalmente o dia que projetam. O foturo nunca se torna presente. Sim, eu sou assim também.

É impressionante dizer que só a algum tempo é que percebi que a vida não é necessariamente justa. Muitas coisas acontecem por que simplesmente devem ocorrer. Isso me fez cair de minha realidade mística e conhecer o chão, duro, áspero, mas verdadeiro. Eu sempre achei que se eu conseguisse merecer eu obviamente teria tudo àquilo pelo que lutei. Estudei canto, composição, pesquisei música a fundo, li os poetas mais geniais para me sentir inspirado e absorver estilo, método e noção do que seria bom. Fiz tudo isso e além disso, procurei ser sempre uma pessoa boa. Interessantemente, minha vida é muito boa, mas não tem exatamente tempero que eu esparava que tivesse. Talvez a busca por tudo isso seja o verdadeiro sentido da minha vida. Uma busca sem nunca encontrar... Eu vivo essa paixão, ela é muito forte e eu não consego, por mais que eu tente, me livrar dela. Há épocas em que eu consigo controlá-la melhor, mas, nesses períodos sou também acometido de tristeza.

O mundo não é justo, pelomenos eu não sinto justiça. Mas é assim que deve ser. Eu me sinto cada dia mais forte e mais certo, e não paro.

A verdade sobre a falta de justiça me veio ao ver uma foto, tirada por um fotógrafo que ganhou prêmios com ela e se tornou famoso, mas que se suicidou meses depois de tirá-la. Na foto, uma menina, tão desnutrida e fraca que não consegue se levantar, agaixada com a cabeça entre os joelhos e ao fundo, um abutre, esperando o momento certo de sua morte para poder lhe devorar a pouca carne que havia em seu esqueleto. Aquela menina e eu temos os mesmos direitos, as mesmas capacidades, nascemos do mesmo jeito, no mesmo mundo. Esse mesmo mundo onde existem pessoas que estão cercadas pela beleza que apenas vivem, dia após dia suas vidas, o mesmo mundo de pessoas que se agarram a dor, de pessoas que são frias e de pessoas que só sabem sonhar.

Eu continuo ainda hoje a tentar, a batalhar com a minha arte e tentar, conseguir transforma-la em algo grande, maior que eu. Continuo porque é minha razão de vida não é só uma escolha ou um desejo passageiro. Por que se eu pudesse, eu jogaria tudo isso fora e tentaria viver sem querer pensar muito, dosando um pouco de cada tipo de pessoa.

Já pensei em tudo, em ir embora daqui pra outra cidade maior, em ir para outro país, em parar de viver, em viver sozinho e isolado. Nada disso funcionaria e eu acho que é porque a minha vida deve precisar ser uma grande tentativa.

Eu resolvi tentar me aproximar um pouco das outras pessoas, tentar ser normal, um pouco mais animal sem racionalidade. Instinto! Vamos ver até onde eu consigo viver assim.

9/01/2007

Sim, essa é a verdade que esperava
Escorrendo pela fronte de quem não vê
a verdadeira síntese das engrenagens

Há carne e vísceras que pendem
De cabides fantasmagóricos
Quem é a âncora da minha alma?

Nós, que por pouco não cortamos os pulsos
Engrenamos dia a dia em uma espiral
De erros e dores, luxúria e rancor!
Corroendo as perspectivas e chamando-nos de filhos

Expulsa essa razão de meu crânio
Vai embora, entendimento!!!
Não constrói em minha cabeça mais um túmulo
Para que eu enterre meus sonhos impossíveis!!

Ah, quão ambígua pode ser a existência
Viver amando a morte e morrer, sem nada saber sobre a vida
Cuspir naquele que deveria amar
Amar aquele que deveria repudiar

E com os olhos marejados de um líquido que
Não é lágrima e não é suor, escrevo essas, como últimas
As palavras que pronuciarei.

Ah sonata tão breve
Ah corpo tão triste

Ah, alma! De que elemento você é feita?
De onde nasceu, porque nunca morreu?

Destina meu sofrimento a encarar a miséria de viver.


(poema dedicado àqueles que lutam sem saber porque, e aqueles que sabem o porque, mas não lutam, aguardando a morte)

8/17/2007

As florestas lançam sua morte
Em minha sorte, a duraze de tentar
Percorrer os caminhos que a gravidade
Impuseram a meu destino

E as lanças que as árvores fazem
Na loucura jazem, trazendo a cor
Tingindo a dor que movimenta
O ar que eu corto ao andar

Em todos existe a herança da morte
A tristeza do e o cheiro do amanhã
E o enigmático poder do sangue

E em todos existe a fúria
Como o mar em tempestade
Como na impaciência da loucura

8/16/2007

Minha Canção - Novela parte 2

"Ele contemplava o céu após ter feito aquilo que suas veias o mandavam. Havia sangue dentro e fora de sua pele, do seu corpo. Estava completamente vestido de preto e tentava ostentar uma imagem de alguém muito superior ao que realmente se escondia sob uma casca indefinida. Pessoas ouviram os gritos que viravam a esquina e correram em um misto de prazer, curiosidade e medo. E ele se mantinha parado, olhando o céu que já estava cinza, tentando impedir que alguma lágrima escorresse dos olhos.
- Meu deus! - finalmente os olhos impacientes da multidão conseguiram encontrar a origem dos gritos. - O que aconteceu aqui?
As perguntas, o desespero, a carne completamente deformada aos seus pés. Iohan havia esfaqueado dezenas de vezes o corpo do homosexual que não lhe deixava em paz. Andava armado pois fazia parte de uma seita satãnica que proporcionava essa atitude. As roupas pretas, um pentagrama invertido, a cabeça raspada mesmo com o ríspido frio invernal de seu país. Ele queria ser homem, muito mais do que aparentava. Agora, já não sabia o que era, monstro ou criança."
- Senhor Thiago, o que aconteceu? - perguntou em meio ao susto causado pela minha queda.
- Romeu, acabei de pisar em algo que me transpassou o pé!
Haviam muitas coisas que eu não conseguia entender naquele momento. O céu se abrindo, mostrando as estrelas que há muito não ficavam expostas, o sonho da noite anterior, onde eu estava na Europa, a visão de uma menina vestida de preto e branco sendo atropelada por mim e a história de Iohan que não me saía da cabeça desde que havia tomado a decisão de me matar. Preferi não contar à Romeu nada disso, pois sua mente cética não conseguiria conceber tais fatos. Fitei novamente o céu e verifiquei que ele continuava fechado como antes: uma expessa camada de gases que impedia que o sol causasse o câncer (o grande regulador da quantidade de vida na Terra).
Romeu me ajudou a ficar de pé, e me arrastou até um banco onde ue pude constatar que havia encontrado meu objeto Maia. Ele havia transpassado meu pé.
Finalmente quebrei o silêncio:
- Romeu, você conhece o livro "Andando em Carrosséis"?
- Sim senhor, minha mãe leu pra mim quando era criança, é uma livro infantil muito famoso.
- Você sabe porque seu autor não é divulgado?
- Não senhor.
- Seu nome era Iohan, nunca conheci seu sobrenome. Em uma noite, assassinou brutalmente um homossexual que lhe tentou beijar. Foi preso e condenado a prisão perpétua pelo crime bárbaro cometido. Dentro da prisão, contam que ele ficava muito tempo do seu dia sentado em um canto da cela escrevendo anotações que ele dizia que eram seu diário. Quando se enforcou, depois de ser estuprado, suas anotações foram lidas e convertidas nesse livro. Um livro infantil, criado por um monstro.
- Senhor, eu me sinto agora filho de um monstro, tendo em vista que muito de minha personalidade infantil foi forjada pelo livro.
- Não, Iohan deixou de ser um monstro assim que olhou o céu naquela noite e percebeu o que toda aquela dor poderia lhe mostrar. E a dor sempre quer mostrar algo Romeu, assim como essa dor do meu pé que eu agora procuro compreender. A dor mostrou para Iohan que o senhor forte que ele almejava, nunca oderia ser. Ele descobreu ser uma criança, sozinha, com medo e jogada no mundo. Ele criou o livro para si mesmo e com isso conseguiu suavizar a solidão de muitas pessoas.
- E então, por isso, o senhor acha que essa dor causada pela faca Maia significa algo?
- Talvez, quanto tempo espera viver nesse mundo Romeu? Até que tipo de morte?
- Não muito, mas não sei como morrerei.
- Eu sabia, até agora...

8/09/2007

Minha Canção - Novela parte 1

Cinza, o céu continuou acima de minha cabeça. Eu continuei a andar tentando encontrar o objeto que caira do meu bolso da frente. Os olhos fitavam o chão em um misto de angústia e anciedade pois poderiam encontrá-lo antes de mim e isso significaria que eu não o veria mais. Nesse momento, Romeu, em um ato de completa angústia, me encontrou.
- Senhor Thiago, não faça isso...
- Romeu - interrompi - a cada homem deve ser dado pelomenos a chance de escolher como ele vai morrer.
- Mas, não agora Senhor!
- Procurei, mas não encontrei em nenhum lugar da minha mente motivos que fossem bons o bastante para eu não vir até aqui e completar meu plano. O problema é que eu o perdi, não sei onde caiu...
Romeu suavizou o semblante. A peça perdida realmente era de valor alto na próxima atitude que eu pretendia tomar. Ela havia sido achada em um túmulo de uma das civilizações mais antigas da américa do sul, a Maia. A análise desse objeto e a conecção do seu significado, assim como o significado do próprio nome dessa civilização me levou ao atual patamar. Não Há porque continuar a ser uma pessoa viva, encarnada (seja lá como os espíritas e budistas costumam alegar) pois somos apenas objetos.
Romeu tentou se antecipar em nossa caminhada que nos conduzia de volta ao meu local de partida. Ele olhava para os lados, como se fosse um fugitivo enquanto eu andava devagar olhando para o chão procurando o pequeno objeto.
Nesse momento, eu me lembrei de uma das minhas mentalizações criativas que por muitos anos povoou meus sonhos. Eu sonhava com nanocriaturas criadas por mim que poderiam se vingar de todos os meus inimigos invadindo correntes sanguíneas e tirando-lhes a vida. Naturalmente seria uma morte completamente atípica e impossível de caracterizada por qualquer tipo de legista. Ao mesmo tempo, eu pensava em como essas nanocriaturas poderiam servir para destruir grandes doênças da humanidade, como o câncer, tendo a capacidade de chegar e reconhecer as células malvadas distruindo-as. Mas para que eu resolveria doenças? Estava claro que essas serviam para controlar o crescimento do vírus humano sobre a face da Terra. Observe a História dos Maias querido leitor, onde seu declíno teve início quando não conseguiram conter o tamanho de sua população, provocando inúmeros problemas de sobrevivência, organização e de alimentação. Não conseguindo manter o povo alimentado, logo vieram as pestes e, por fim os espanhois.
Maia (ou Maya) significa ilusão. Um povo perfeito, uma maquete de uma civilização que se refletiria depois no resto do mundo. Seu início, seu meio e seu fim ocorreram em tempo resumido para que tudo pudesse ser antes testado. Estamos fadados aos nossos próprios excessos. Ao crescimento desordenado da humanidade até que esse planeta não nos queira mais sobre ele e "como um cachorro que se livra das pulgas num saculejo" nos mate.
- Romeu, eu sou velho, e não sei ainda hoje o porque de eu ter vivido até a idade que tenho.
- Senhor, a morte não é a solução....
- Não procuro a morte como solução pois não tenho problemas. E nem a procuro como ideal, pois os ideais não me interessam mais. A morte é apenas a potencialização do que eu já sou: vazio.
E quando dizia em voz alta aquelas palavras, pisei em algo pontiagudo que o transpassou meu pé direito. A dor me fez cair ao chão e fitar o céu, exatamente para poder olha-lo e perceber que a sua cortina cinza que se manteve assim por 20 anos estava inexplicavelmente se abrindo...

6/08/2007

A tristeza do poema é a dádiva
O cálice que só o poeta ousa entornar
Traz a morte como companheira ilustre
E deixa a suave brisa se distanciar

A tristeza do poema nos torna fortes
Nos demonstra o quão humanos podemos ser
Esquecidos em quartos solitários
Ou solitários em meio a multidões

A tristeza do poema é a sanguessuga
É o carrasco e a colina abaixo
É a escada e a espiral

A tristeza do poema é o machado
É a rosa e o frio invernal
É o sorriso, a felicidade impostora irracional

08.06.2007

5/24/2007

Um dia vivo


Nuvens brancas passando no céu
Elas me levam para algum lugar
Caminhando a 100 por hr
Eu não sei onde vou chegar

Pérolas falsas enfeitam a mesa
Brilham o vazio do lugar
E eu me escondo dentro de meus medos
Onde nem a sorte vai me achar

Mas pra onde ir se eu não quero andar?
E pra onde ver se o que eu vejo é o que me faz continuar?
E pra que tentar se nós sabemos o que somos?
E pra que lutar se a luta nunca é o que esperamos?

Feixes dourados de um sol que não é meu
Ilustram mais um dia sem razão
Me deixam sozinho no meu mundo
Onde meus pés não chegam ao chão

Mas pra onde ir se não há caminho pra andar?
E pra onde ver se todos que eu amo me tentam derrubar?
E pra que tentar se nós sabemos o que somos?
Infinitos enquanto podemos continuar a sonhar...

5/15/2007


Quem é você?
A criança faminta acostumada com a dor e com o sofrimento ou o filho da puta que a causou isso?

4/15/2007

O RISO DO MUNDO


—Amanhã será o mesmo dia de hoje – ele disse para o espelho, em sua casa mais que espaçosa onde morava solitário.

4:30 de uma manhã igual a todas as outras. Nada parecia fazer muita diferença na vida de Bram. Todas as coisas pareciam totalmente desinteressantes para um homem que tinha tudo e que se não tinha, mandava comprar. As doenças haviam sido despejadas de sua mansão em um ralo de ouro, e todos os outros que antes dividiam sua grandiosa morada estavam agora ou debaixo da terra ou em outra parte do país. Ele havia se cansado das festas e do sexo de graça e sem amor. Foi quando resolveu que uma mudança poderia acontecer em sua miserável vida, se ele realmente encontrasse o amor verdadeiro.

Na tarde seguinte da descoberta que ele mesmo conseguira com o seu reflexo no espelho (conversar com espelhos era natural para Bram) ele resolveu viajar para Paris. Em algum lugar estava escrito que essa era a cidade do amor. Estranhamente Bram resolveu colocar um belo exemplar de um livro que adorava na cabeceira da cama que deixaria desarrumada. Ali estavam páginas escritas à mão, sobre o texto do próprio livro, onde ele descrevera o sonho daquela noite. Não soube porque, estava fazendo com que o sonho fosse transposto para a sua vida naturalmente, sem esforço.

Quando a caneta finalmente terminou de ser usada ele hesitou em continuar. Olhou para a fina pele da parte de dentro do seu antebraço e resolveu quase simultaneamente fazer o que fez: um golpe com a ponta da caneta em uma pele antes perfeita. O furo deixado pela esferográfica foi ligeiramente profundo e o sangue escorria devagar. Olhou para a janela que estava aberta e percebeu o tom avermelhado que o céu demonstrava, o lindo e perfeito céu vermelho, a única coisa capaz de fazer com que um leve sorriso fosse dado por Bram. O riso da contemplação, da agonia da dor em seu antebraço, do nervosismo pela sucessão de fatos e imagens tão nítidas em realidade quanto em sonho. O riso do mundo, o riso de quem tem o mundo. O riso de Bram, o vazio.

As lágrimas misturadas ao sangue soariam muito estranhas a qualquer um que entrasse agora em seu quarto, mas ele estava seguro de que isso não aconteceria pois ele havia dispensados todos, inclusive os serviçais.

Três páginas depois da última página usada para relatar o sonho Bram ele batizou com três gotas de sangue. Três páginas antes da primeira usada, ele pingou novamente as três gotas e na terceira página de seu texto ele pingou as últimas três.

—Sangue e poema. Tudo o que eu sempre achei ridículo!

Saiu do quarto levando apenas a carteira e uma caixa de papel descartável. Deixou o livro fechado e a janela aberta para que tudo o que quisesse invadir a sua vida entrasse sem pedir permissão. Ele sabia o que tinha feito e sabia também que poderia ter boas visitas, mas que as janelas estavam abertas também para todo o mal que quisesse entrar.

Chegou ao aeroporto e estava se sentindo mais vazio do que nunca, ele precisava rápido de algo para corrigir isso e qualquer coisa serviria, vindo de onde viesse. Imaginou o mundo sem ele e chegou a conclusão de que nada de diferente aconteceria. Sua insignificante presença só era importante quando dizia respeito aos negócios e disso ele já estava farto. Pela primeira vez na vida ele havia chagado a essa conclusão de uma maneira clara. Sua luta que durara desde sua juventude, a mesma que havia feito com que seus bolsos ficassem cheios de dinheiro era agora desvendada como um fardo pesado que aparentemente o consumiria até a morte ou até ao extremo da riqueza. (CONTINUA)

O RISO DO MUNDO (Parte 2)

O avião estava pronto para o embarque. Ele se desprendeu de seu mundo interior e se levantou. O único que não despachara nenhum tipo de bagagem. Estava apenas com a roupa do corpo e o bastante em contas bancárias que poderiam ser acessadas a qualquer momento e qualquer lugar do mundo para que todas as suas necessidades fossem sanadas.

Embarcou então. Por um breve momento ele não sabia mais o porque da viagem e concluiu em fração de segundos que era pra fechar mais um negócio. Ridiculamente ele se sentou. Sua face estava com o mesmo ar enrijecido de sempre. As mãos estavam juntas no colo e o olhar fixo em algum lugar da parte de cima do interior do avião. Passava um ar de dureza e de respeitabilidade. Lembrou-se do sonho e olhou rapidamente para o antebraço. O que estava ali não se podia ser explicado por palavras normais. O nome Amada estava escrito nitidamente pelo sangue que escorreu e coagulou da ferida aberta pela caneta. Desconsertado, Bram se levantou para lavar aquele sangue, mas não conseguiu chegar ao banheiro do avião pois uma das aeromoças o advertiu que o avião já estava para decolar e que ele teria que se sentar. Intrigado, Bram se lembrou das três mulheres que estavam em seu sonho. Uma delas tinha um livro sob o braço esquerdo. Ele não conseguiu entender o que estava acontecendo mas conseguiu saber seu nome como que por telepatia. Amada.

Um repentino medo de adormecer durante a viagem o invadiu. O medo de saber quem era Amada e as outras duas era forte demais. O rosto que passava a dureza de uma rocha agora parecia um iceberg.

De repente, duas horas depois de estarem voando, um aviso do comandante foi dado pelos auto-falantes do avião: “Atenção passageiros da aeronave nº36925, entraremos agora em uma turbulência de intensidade mediana, executem por favor os procedimentos de segurança para que ninguém se machuque”. A turbulência começou em menos de cinco segundos após o aviso do piloto e era muito mais forte do que “mediana”. A força era tanta que os passageiros que se encontravam sem os cintos de segurança foram jogados ao chão. Bram se sentia mal, não por saber que a possibilidade de perder sua vida era muito forte, mas por saber que se morresse, de nada haveria valido seu esforço. A perda da juventude. As noites mal dormidas por causa dos estudos e de todas as rotinas de trabalho. Nada disso era importante agora. Todo o seu dinheiro não valia nada lá em cima. Todo o seu esforço era menos que um centavo. Toda a sua vida era inexistente. Bram já estava morto e só percebeu naquele momento.

Sua cabeça se chocou fortemente contra alguma coisa que não conseguia identificar e ele perdeu os sentidos. Estava agora viajando para um lugar que não sabia onde se encontrava e não sabia se poderia voltar ou se poderia ter o que tinha em toda a sua vida daqui pra frente. Abriu os olhos e viu que ainda estava dentro do avião. Olhou o relógio e viu que apenas poucos minutos haviam se passado, mas o mais interessante é que o avião estava completamente vazio. Olhou desesperadamente pela janela para ver se estava ou não no ar mas não conseguiu tirar nenhuma conclusão, havia uma névoa que cobria a janela do avião que fazia com que a visibilidade fosse zero.

Levantou-se e preparou para abrir a porta. Não havia som algum, nem a sua própria voz parecia sair. Olhou para o braço e viu o nome e se lembrou do que tinha feito.

Quando o ânimo finalmente venceu o desespero que havia se instalado naquele instante ele levantou a cabeça e segurando fortemente a maçaneta da porta, a abriu. Nada aconteceu, apenas a luz que brilhava forte do lado e fora invadiu o avião. Ele estava em terra. (CONTINUA)

O RISO DO MUNDO (Parte 3)

Bram havia percebido que estava em terra assim que abriu a porta do avião. Quando finalmente conseguiu perceber imagens na extrema claridade ele conseguiu ver árvores e alguns dos tripulantes sentados no chão, a espera e alguma coisa. Ele correu mais rápido que podia e chegando lá perguntou:

—O que aconteceu? O avião caiu?

—Fez um pouso forçado – respondeu alguém.

—Alguém se machucou?

—Só você. Como está se sentindo? A batida da cabeça foi muito forte?

Bram levou a mão até a cabeça e descobriu um enorme inchaço. A batida realmente parecia ter sido forte.

—Quem é você? – perguntou Bram.

—Me chamo Beatriz.

Bram havia notado que Beatriz era umas das aeromoças que estavam na aeronave. Foi ela que não permitiu que ele fosse lavar o antebraço avisando que o avião estava para decolar.

O nome, esse nome que ele não entendia o que queria dizer. Ele desdobrou a manga da camisa e tentou cobrir para que ninguém pudesse notar. Ele tinha que entender o que aquilo queria dizer.

Se sentou ao lado da aeromoça que havia chamado a sua atenção por sua beleza, mesmo estando desarrumada e com a maquiagem borrada. Sentiu seu cheiro e pela primeira vez na vida não se sentiu tão perdido e sozinho. Sabia que tudo o que ele era e tudo o que ele tinha não adiantaria nada no lugar onde eles estavam agora. Finalmente ele era igual a todos os outros. Nem menos, como era em sua infância, e nem mais, como costumava parecer depois de seu sucesso empresarial.

Olhou para Beatriz e ela não parecia estar muito contente. Visualizou cada um dos passageiros agora aguardando na sombra de uma árvore que ficava perto de onde a nave havia feito o seu pouso forçado. Olhou novamente para Beatriz e disse:

—Desculpe, mas não disse meu nome. Bram, muito prazer.

Estendeu a mão para Beatriz e ela lhe proporcionou o aperto de mãos que estava esperando, seguido de um sorriso que era no mínimo forçado.

—Como estão as coisas para nós? – perguntou Bram.

—Não muito boas. Aparentemente, ninguém consegue fazer contato. Acho que vamos ficar aqui por um bom tempo. Nem sequer sabem onde estamos.

Bram não se sentiu desesperado. Ficou apenas pensando se isso era resultado de sua pequena magia antes de sair de casa. Ele queria fugir daquela vida onde tudo era previsível e havia conseguido uma situação totalmente imprevisível. Levantou-se e ergueu sua mão para Beatriz.

—O que você quer fazer senhor? – perguntou ela ainda mantendo a sua postura de aeromoça.

—Descobrir algum lugar onde possamos esperar. Um lugar onde possamos conversar para passar o nosso tempo. Gostaria muito de saber sua vida. (CONTINUA)

O RISO DO MUNDO (Parte 4)

Relutante, ela pegou a mão de Bram. Estava pensando que não era um bom momento para tentar seduzi-la. Caminharam sobre uma areia fina que parecia nunca ter sido pisada por alguém no mundo. E viram a praia ao entardecer. Sem motivo algum ela o abraçou e encostou a sua cabeça em seu ombro. Ele encarou aquilo como a coisa mais natural do mundo, como se ela já fosse uma pessoa que fazia parte de sua vida e que estava repetindo mais uma vez um ato muitas vezes antes feito.

Ele perguntou a ela o que a estava deixando triste, porque sabia qual era a diferença de se estar triste e estar preocupado. Ela lhe disse que as vezes a vida tenta nos dizer algo mas nós não entendemos, como no dia em que sua mãe, Amada, uma pessoa ótima, morreu de uma doença muito cruel.

Bram lembrou-se do braço. E viu que a ligação estava feita. Deus não joga dados, tudo estava perfeitamente concluído antes mesmo de ter começado. O sonho, o sangue nos poemas. Tudo estava ligado. Beatriz lhe disse que há alguns meses, o seu namorado, o mesmo que namorava desde que era adolescente havia ido embora sem deixar nem uma carta para ela. Partira com outra mulher com quem já tinha um filho pequeno. A tristeza era mais pelo desapontamento do que pelo amor.

—Eu sei o que é isso. – disse Bram.

—Você já passou por isso antes? - Perguntou Beatriz.

—Não, mas sei me colocar muito bem no lugar dos outros. Isso foi sempre uma das coisas que eu sabia fazer de melhor. Eu consigo imaginar como você deve estar se sentindo, apesar de nunca ter havido ninguém na minha vida.

—Você nunca teve ninguém? – perguntou Beatriz espantada – Nunca teve uma namorada ou alguém que lhe completasse?

Bram viu que a resposta mudaria brevemente.

Olharam-se e nada mais precisou ser dito. Às vezes a vida nos conduz a caminhos aparentemente sem sentido. Às vezes nos sentimos completamente perdidos, mas no final de cada trilha há sempre a resposta. É o que há de melhor na vida, o que ela nos reserva a cada dia que passamos aqui nesse mundo. É preciso entender que no final todas as coisas se resolvem de alguma forma.

Bram e Beatriz beijaram-se e entenderam o porque do pouso forçado daquele avião. Entenderam porque a vida precisou que eles estivessem ali, em uma ilha afastada do resto do mundo para que eles pudessem se encontrar e descobrir o que cada um deles significava para o outro.

Foram regatados alguns dias depois. Ninguém morreu e nem ficou doente pois haviam mantimentos no avião. Muitas pessoas encontraram o final de alguns caminhos da vida naquele dia e muitas apenas entraram em novos caminhos. Estamos em um infinito labirinto.

Eles se mudaram para a casa de Bram. E em pouco tempo novas estradas foram abertas e sabiam que tanto o mal quanto o bem poderiam passar por ali.

Em dois anos nasceu Amélia. Uma linda garotinha que parecia ser um presente do céu. Um ano depois nasceu Davi, uma criança que tinha em seus olhos a profundidade de muitas vidas.

E quando ele olhou pra trás e viu o seu passado, entendeu que tudo deveria ter acontecido exatamente daquele jeito e que nunca mais se culparia por nada que havia feito ou deixado de fazer. Pois pra tudo há um sentido e um significado que as vezes está além de nossas possibilidades. Porque somos apenas humanos. (FIM)

O ZERO E O INFINITO

Ele olhou para seus olhos e notou que a mesma expressão de tantos anos se repetia. Ela não envelhecia e nem dormia, estava sempre ali ao seu lado, perto do seu coração. Ela era o amor da sua vida, o sentido que faltava para a sua existência.

Quando nasceu, Matias era muito fraco e doente. Cresceu em um ambiente catatônico, cercado de impossibilidades financeiras em uma cidade pequena e isolada de todo o resto do mundo onde sempre encontrava a cada esquina alguém para zombar de sua aparência e principalmente de sua magreza e de seus óculos com elevado grau. Passou a adolescência sozinho, abandonado pelos pais, trabalhando para sobreviver. Quando fez a idade para ir embora daquele lugar, resolveu levantar vôo e não olhar pra trás. Chegou a grande cidade onde ninguém o conhecia e onde possivelmente poderia construir uma vida. Foi quando ele viu os olhos da mulher que mudaria sua vida. Matias estava disposto a lutar o quanto fosse possível para poder construir a sua vida da melhor forma possível. Ele foi até ela e totalmente envergonhado descreveu um monólogo poético, digno de fazer com que os olhos que o observavam pudessem enxerga-lo maravilhoso. Ela foi com ele pra sua nova casa e sem nunca dizer uma palavra se quer, deixou toda a vida de Matias mais iluminada.

Era quinta feira e ele resolveu levantar mais cedo. Encarou o mundo a sua volta e percebeu que podia enxergar tudo sem os óculos. Se levantou sem as costumeiras dores no corpo. Ela não dormia na cama com ele, dormia na sala, no mesmo lugar em que vivia sempre. Matias havia sonhado com ela deitada em sua cama e estranhou o fato de não se lembrar de sua voz. Olhou-se no espelho do banheiro e percebeu a mudança em sua face que a ausência dos óculos causava. Caminhou até a sala vestindo sua camisa das quintas feiras quando finalmente ele a encontrou parada, olhando-o como sempre fizera. Ele estava espantado, como pôde viver tantos anos na cidade com aquela moça sem ter percebido. O ar parecia faltar-lhe. Caminhou como um derrotado até ela como se o peso de toda uma existência estivesse em seus ombros.

— Então é por isso que nunca me respondeu, nunca se deitou na cama comigo e nunca me deu sequer um beijo.

Não havia resposta. Ele levantou os olhos e encarou os de sua companheira. Percebeu que a vida que ela tinha era apenas um sopro de sua necessidade de amor. Chorava compulsivamente enquanto posicionava os dedos por detrás de sua cabeça e a rasgava da parede, deixando-a cair no chão.

— Ela nunca esteve aqui! - gritou Matias – Eu vivi todo esse tempo e ela nunca esteve comigo de verdade! Como pude viver até agora apenas com a sua fotografia colada na parede?

Num estante ele percebeu que a sua solidão havia feito com que se apaixonasse pela linda atriz da foto que encontrara quando chegou a cidade, mas contentou-se em ter apenas a foto, achando que isso era o bastante. Olhou para o céu azul pela janela. Levantou-se mais forte que nunca na vida. Pegou o casaco, enxugou as lágrimas e saiu pela porta com a foto nas mãos. Seu único objetivo: conhecer o grande amor de todos aqueles anos.

3/07/2007

8 . 3 . 07

A onda se dobrou sobre mim
Ela era mais forte que meu corpo
Que desapareceu, que desapareceu
No azul infinito o último instante

E na areia da praia vou me deitar
Só um corpo/ casca, sem alma
Os olhos cegos olharão o céu
Os dedos dormentes tocarão os lábios

As portas estarão fechadas
Eu contemplarei seus adornos barrocos
E nada haverá de ser feito por mim

2/21/2007

Amargo

Caroline contemplava os animais em suas jaulas pela tv e não sabia ainda direito se era correto ou não mantê-los ali, presos, longe do seu habitat. Estavam a salvo de uma possível extinção mas estariam livres da vida também.
Levantou-se, andou um pouco pela sala do seu apartamento e começou a olhar pela janela do 14º andar. Era domingo e ela realmente não sabia o que fazer com que estava dentro dela, uma escuridão completa misturada a claridade excesiva da cocaína, a vontade não lúcida de existir, além do normal.
Lembrou-se então dos seus pais que nunca saíram da cidade pequena em que moravam. Nunca se arriscavam, nunca pensavam em viver uma vida além dos seus próprios horizontes. Caroline se perguntava se eles haviam sido felizes enquanto estavam morando naquela casa feita de tijolos velhos e barro. Mas ela não conseguia encontrar sorrisos autenticos em sua memória. Sua mãe estava sempre com um riso amarelo estampado nos lábios e seu pai só sabia reclamar em voz baixa, com a cabeça entre as mãos e olhando o chão.
Ela nunca se sentira tão livre quanto agora, ninguém nunca descobriria o que ela havia feito e ela estaria com tudo o que poderia precisar para ter uma vida perfeita. Mas ela não sabia o que fazer com tudo aquilo que havia dentro dela. Ela queria poder voar e queria poder estar em vários lugares ao mesmo tempo, ser onipresente, ser grandiosa. A cocaína aumentava o seu angulo de visão e isso fazia com que ela se diferenciasse dos seus tão pequeninos e escondidos pais.
As árvores do outro quarteirão estavam com uma folhagem tão bonita agora, e ela nunca havia percebido isso. Se lembrou das folhagens das árvores que estavam plantadas ao redor de sua antiga casa e fechou os olhos para poder ver melhor, mas agora as coisas nunca mais poderiam ser as mesmas. Faziam já 2 anos que ela estava em outro universo, em outro mundo completamente diferente. Na urbana e agitada vida da cidade.
Caroline andou até a cozinha e queria um copo de café. Estava com uma vontade absurda de fazer sexo e não sabia como se satisfazer. Porque tudo em sua vida agora parecia ser tão possível de ser realizado e tão complexo ao mesmo tempo? Ela se lembrou de uma frase que lera em um anúncio antes de sair da casa de seus pais: "seus sonhos estão nas núvens? Pois estão no lugar certo, comece agora a construir os alicerces".
Se serviu de uma xícara de café muito quente e queria beber pequenos goles sem esfriar, para que pudesse desafiar seus próprios limites. Caroline se queimava e se entusiasmava, colocando a mão por baixo da saia e encontrando-se molhada pela liberdade. E sem perceber, começou a lentamente a se masturbar. A vontade de sentir o que era o máximo era muito grande, era infinita, ela não sabia o que fazer com tanta vontade, com tanta grandeza dentro dela querendo explodir. Entornava aos poucos pequenas quantidades de café quente em seus seios e sentia dor, gritava, e continuava a se masturbar.
Lembrou-se do dia em que ela resolvera fazer tudo o que tinha em mente. Sabia que seus pais estavam guardando dinheiro para que ela pudese ir para uma faculdade particular e essa quantia já devia estar bem generosa. Seduziu então o jovem Jobir, de 17 anos que queria acima de tudo provar o gosto de Carolina. Então eles foram pra casa de barro e enquanto os pais dela estavam ainda do lado de fora eles começaram seu ato de sexo no lugar mais acessível da casa. Ela gritava de prazer e dor por estar perdendo todas as virgindades possíveis. Jobir estava muito concentrado quando recebeu o golpe na nuca que o deixou caído no chão. O pai de Carolina os havia pego em flagrante e gritava sem parar. Jobir levantou-se do chão com as calças abertas e, enquanto chorava de tanta raiva, esmagou o crânio do pai de Carolina com uma cadeira. Ela sorria levemente por seu plano estar dando certo.
Todas essas lembranças faziam com que ela chegasse ao quase orgasmo enquanto se deliciava em sua cozinha e em seu café.

__________continuação
Ela continuou a se lembrar como se tivesse sido ontem, quando Jobir se desesperou e esmagou a garganta da mãe de Carolina, enquanto ela tentava proteger o marido. Ele, então, olhou para Carolina com um ar de perdão e viu que ela segurava em suas mãos uma arma. Planejadamente, atirou na cara de Jobir e por alguns instantes contemplou a mistura dos sangues na sala da casa que tanto odiava.
Foi vista como vítima. Pegou todo o dinheiro e foi para a cidade. Alugou um apartamento de onde poderia ver o mar e ver que era livre.
Agora ela estava ali, na cozinha, queimada e ainda não havia gozado. Parou de repente, abriu os olhos e se contemplou em um espelho. Caminhou lentamente até a sala e viu o pó branco sobre o vidro da mesa. Cheirou. Sentiu. Lembrou.
Agora ela se via abraçada com o pai, enquanto ele a salvava de uma correnteza, quando ela queria na verdade pegar um briquedo que caíra no rio. Viu-se dormindo nos braços da mãe enquanto estava com febre e não estava com forças o bastante para se levantar. Lembrou-se de que ela não odiava seus pais que tanto a amavam. Olhou para dentro de seus próprios olhos e viu de quem era o ódio que ela sentia. Um auto-ódio por nunca haver se encontrado de verdade, e agora, ali estava ela, amedrontada por ver quem ela era. Caminhou lentamente até a varanda. Abriu as portas e contemplou o mar. Ela queria voar até lá. Ela queria ser parte do universo, mas isso parecia ser impossível. Ela queria poder acordar um único dia de sua vida e se sentir completa. Mas não conseguia, havia sempre algo faltando. Subiu então no para-peito. Inclinou-se para a frente, olhou o mar, queria voar até lá. Se lançou em uma queda livre, enquanto chorava por não ser, o que só deixou de ser, quando encontrou o chão.

2/11/2007



Seriam os mesmos sonhos? Os mesmos direitos à vida? Seriam os mesmos ideais, a mesma perspectiva de futuro? Todos se esquecem que estamos sob o mesmo teto e que não existem paredes nessa casa.

O homem como lobo do homem e como lobo do mundo.

Interrompendo a andamento normal, onde só posto poemas e contos, resolvi escrever algumas coisas que vem martelando aqui na minha cabeça. Não que eu ache que na verdade há pessoas lendo esse material, pois, se existem, essas são raras ou indicadas diretamente por mim.
Mas, vamos ao assunto:
Acredito que muitos de nós já ouvimos a expressão "o homem é o lobo do homem". Ou seja, o homem contém dentro de si mesmo a sua própria destruição, e se pararmos para complementar a expressão, o homem contém também a destruição de muito mais do que somente ele próprio.
Seria o final da nossa espécie um bem para o mundo e para o universo? Será que assim nós estaríamos exterminando o grande vírus que tem a potencialidade de terminar com a vida na Terra?
Eu percebi hoje como podemos ser egoístas, sem pensar na dor de quem está do nosso lado mas nos indignando com coisas que nem chegam a doer que acontecem conosco. E percebi como nós podemos ser frios, a ponto de torturar e matar outros seres que não tem a capacidade de se defender.
A honra cometeu suicídio. Todos olham esfomeados pro próprio umbigo!
Acabamos liberando em pouco mais de uma centena de anos, carbono que havia se armazenado por milhões de anos no solo. Desencadeamos um processo crônico de suicídio. O efeito estufa, o uso indiscriminado da água potável, o desrespeito com a vida animal e vegetal, com seus habitats. Jogamos lixo pela janela do carro como se fosse a coisa mais normal do mundo. E esse lixo cai sobre um solo feito de asfalto e cimento, que esmaga e sufoca onde realmente deveriamos estar pisando.
O dinheiro é tão importante que não há outro motivo para se viver. Os sonhos são abafados por ele, a vida de outras pessoas perdem o sentido por ele, há povos se dizimando, religiões se confrontando, realidades virtuais sendo criadas, países grandes engolindo países pequenos financeiramente falando!
O ser humano inventou deus e o guardou em uma gaveta e agora o usa apenas como uma espécie de comprimido, capaz de fazer com que ele deite sua cabeça sobre um travesseiro e consiga pegar no sono sem um pingo de remorso. Há ainda aqueles que já desenvolveram tamanha imunidade à culpa que nem precisam mais usar esse artifício.
Até os idiotas mais acéfalos conseguem ver a merda já feita: Bush está com medo, nem todo o seu dinheiro pode manter o seu queixo erguido agora!
Então e me pergunto, será que todos param pra imaginar o mundo que criamos? Cheio de dor, de morte e de corrupção. Um mundo que fede só de se imaginar. Será que teremos um futuro? Quantos anos, vivendo assim, dando de ombros, nós ainda temos?
Enquanto cada ridícula cabeça humana não começar a entender que ela pode mudar alguma coisa agindo direito, conectando-se com todo o plante não pela internet, mas pela alma, nós estaremos fadados a uma rápida e dolorosa extinção.

Pensar é o que há de mais importante agora!

2/10/2007

XII– De volta a vida

Dimas se vestia em seu quarto sem janelas na parte de cima de sua casa. Não era possível saber se era dia ou noite sem se olhar em um relógio. A luz que vinha do banheiro era o bastante para que ele pudesse concluir a sua tarefa de estar de acordo com o trabalho que a sua família fazia há décadas. No andar de baixo, seus irmãos e sua mãe trabalhavam.
Ele se preparava para o próximo turno.
—Dimas - disse Bento, o irmão mais novo de Dimas, ofegante por ter subido as escadas correndo para dizer algo que parecia inadiável - mamãe disse que você não precisa pegar o próximo turno. Ela disse que não está com sono, vai continuar trabalhando. Você pode voltar a dormir.
Dimas olhou para seu irmão e percebeu um ar estranho em sua face. Alguma coisa parecia ter acontecido.
—O que aconteceu Bento, parece preocupado. - disse Dimas, sem parar de se vestir e com uma expressão de profundo desânimo que demonstrava que ele já havia perdido as forças para lutar em alguma batalha e já estava entregue.
—Não Dimas, não foi nada - disse Bento ensaiando um sorriso que obviamente era falso - é que a mamãe está com pena de você, tem estado muito cansado por causa da faculdade.
—Bento, estou bem, não há nada de mal em fazer o meu trabalho. Já estou acostumado em fazer isso. Quando você ainda era uma criança eu já ajudava nossos pais, antes de papai ir embora.
—Não cara, você sabe como a mamãe é impaciente, ela disse para você não descer. Volte a dormir!
Dimas parou e olhou para o lado. O rosto de Bento na penumbra parecia altamente desesperado. Ele agora tinha certeza que algo havia acontecido, e não era algo bom. Mas como era comum, Dimas parou de se vestir e resolveu se jogar do jeito em que estava na cama. Então, disse para Bento com um ar irônico:
—Ótimo Bento, você acabou de sugar as minhas últimas forças. Vou ficar aqui e descansar. Diga a mamãe que quando ela não agüentar mais a ficar de olhos abertos que ela pode me chamar. Afinal de contas, dar os pêsames a noite toda também cansa muito.
Bento olhou para o irmão e disse:
—Tudo bem Dimas, durma um pouco, aproveite o dia, você não tem aulas hoje. São quatro horas da tarde, durma até a meia noite.
Obviamente Dimas não estava com tanto sono assim. Ele não iria dormir até a meia noite para depois engatar uma segunda marcha no seu sono até de manhã. Há muito tempo, nem nos feriados e nem nas férias ele havia tido tanto para descansar. Sabia que algum problema havia acontecido e sua mãe obviamente queria mantê-lo afastado. Devia ser algo que o afetasse. Ou não, devia ser simplesmente algo que o tiraria do sério e faria com que se metesse em mais uma briga com algum cliente que se recusava a pagar o valor cobrado. Ele sempre defendia sua mãe, nem que o cliente fosse duas vezes maior que ele.
Não imaginou muito, lembrou que as notícias ruins chegam rápido e ficou apenas aguardando até que elas chegassem em seus ouvidos.
A família de Dimas já estava no ramo funerário há mais de 50 anos. Eram os mais conservadores e também agiam dentro da religião católica, seguindo a risca todas as determinações que o vaticano estabelecia. Dimas, como seus irmãos, trabalhava vendendo os caixões, flores e na organização de velórios que aconteciam na própria capela barroca que eles haviam herdado muitas gerações atrás. Por isso, muitos corpos eram velados por lá.
Ele já estava tão condicionado a manter a expressão de torturado que mantinha por todos os lugares que visitava. Na faculdade, era conhecido por suas expressões infelizes e por suas palavras ditas em um tom baixo e suave. Ele se mostrava fúnebre em tempo integral e isso estava em seu sangue agindo como todos da sua família antes dele.
Deitado em sua cama, ele começou a se lembrar de fatos que haviam acontecido recentemente. Estranhamente ele não conseguia se lembrar de como se sentia antes de ter conhecido a menina que havia iluminado seus dias. Amélia, branca e linda como um raio de sol no cinza e preto de seu dia chuvoso. Ela passou no corredor da faculdade e ele estava lá parado diante da porta quando isso aconteceu. Não se lembrava de mais nada a sua volta.
Dimas descobriu que Amélia morava em uma antiga casa de esquina que tinha uma estória bem esquisita. Ela era velha e todos os que moravam lá também eram. Menos Amélia. Sua face era lisa como uma nuvem e seus olhos pareciam penetrar na alma de quem se aventurasse a encara-los.
Dimas se descobriu nesse dia profundamente apaixonado por ela. Ele a encontrou algumas vezes no caminho de casa e em um dia em que as aulas acabaram tarde ele teve o prazer de ver que ela estava sem companhia para ir embora.
Deitado em sua cama, Dimas se lembrava de palavra por palavra:
—Olá - disse ele com um receio enorme de ser ignorado e imaginando que ela nunca teria notado a sua presença na faculdade antes.
—Oi cara - disse Amélia - você é o Dimas, não é?
Parecia que os pés de Dimas haviam parado de sentir o chão. Ele não conseguiu evitar o sorriso que lhe apareceu espontaneamente na face. Como aquela garota que parecia ser de uma outra realidade havia lembrado do seu nome? Será que ela sentia o mesmo que e Dimas? Ele achou melhor pensar que não, deveria ser só uma coincidência. Com certeza ela deve ter ouvido seu nome em algum lugar e se lembrou, ainda mais por ser um nome pouco comum.
—Alou! Você está aí? – perguntou Amélia para Dimas que agora exibia um rosto abobalhado onde sustentava um riso aberto e contente. Dizendo isso, ela o tirou daquela espécie de transe em que ele havia entrado.
—Oi, sim, sim. Eu sou o Dimas, e você é Amélia.
—Vejo que não precisamos ser apresentados por ninguém. – disse isso estendendo a mão para um aperto.
Dimas apertou-lhe a mão e teve o prazer de sentir a macia pele de seus dedos encostando nos seus. Aquilo pra ele já valia o dia.
—Quer uma companhia para casa? – perguntou finalmente Dimas.
—Mas você não mora para o outro lado?
—Sim, mas hoje estou indo para o lado da sua casa.
—Ah, você sabe onde moro? Como?
Dimas então se corou de vergonha. Ele não sabia o que responder para ela. Desconversou. Disse que era um prazer acompanhar uma senhorita até a sua casa. Ela achou estranho o tom, mas gostou dele.
Mas Dimas não sabia muita coisa de Amélia. Com a sua crença extremamente católica, ele se sentiu em meio a uma batalha quando veio a saber na conversa que tiveram naquela noite que ela estudava uma religião antiga, pagã e condenada pelo catolicismo. Ela chamava de “felicidade em frascos de vento” tudo aquilo que ela dizia ser a sua inspiração de viver. Olhava para Dimas com um olhar tão especial que ele não conseguia mais parar de lembrar dos olhos verdes que ela tinha.
Dimas se manteve quieto por muito tempo sobre a garota que apelidou de “A Menina do Dia”, porque, ele dizia, foi ela quem deu a ele o dia mais feliz de sua vida, o dia em que eles conversaram pela primeira vez e ele se sentiu mais uma pessoa no mundo, não menos que isso.
De volta a seu quarto, em uma pequena pausa em seus sonhos que eram repetidos diariamente como mantras sagrados, Dimas olha seu relógio e vê que já haviam se passado quatro horas. Ele acha que dormiu, mas não, estava preso em pensamentos que desta vez estavam sendo lembrados com uma intensidade muito maior do que das outras vezes.
Durante várias outras caminhadas que Dimas acompanhou Amélia, mesmo tendo que andar tudo de volta até a sua casa, eles conversaram sobre vários assuntos, inclusive um dia especial em que ela deveria encontrar o segredo de sua vida. Um dia aguardado há muito tempo, por cada um que espera saber mais sobre si mesmo.
Eles nunca se beijaram e sua relação não passou e uma profunda amizade. A Menina do Dia o chamava depois das aulas para irem juntos caminhando e ambos conheciam mais dos mundos um do outro. Ela dizia muitas vezes que nada o prendia ali, que estava livre para fazer o que quisesse em toda a sua vida. Dizia isso porque Dimas parecia estar sempre preso no mesmo lugar. Ele não gostava de viajar e tinha medo de sair de perto de onde ele se sentia mais seguro, a sua casa. Em certa ocasião ela disse para ir para a Islândia. Ele disse que gostaria e eles riram daquele momento onde parecia que ele finalmente havia resolvido mais esse seu problema.
E ele entendeu por ela que deve-se aprender algo de bom no que é ruim, deve-se retirar da tragédia o significado da vida. Deve-se tirar da doença a força para se reerguer. Deve-se tirar da solidão o consolo de seu próprio coração. A Menina do Dia era assim, uma pessoa extremamente iluminada.
Bento um dia encontrou uma foto que eles tiraram juntos e perguntou para Dimas se ele havia finalmente encontrado uma namorada com um tom meio irônico. Ele disse que não, mas que gostaria que ela fosse a sua namorada.
No dia em que eles se despediram ele ficou sabendo de algo diferente. Ele encontraria muito de si mesmo, em breve.
Abriu os olhos. Um susto que foi acalmado com o olhar no relógio. Eram dez horas da noite. Ele havia descansado bastante. Se lembrou dela e como se fosse um golpe repentino o entendimento lhe bateu. Não podia ser!
As notícias ruins sempre chegam rápido. Ele já sabia da má notícia antes mesmo de pensar em tudo o que havia pensado novamente. Colocou, ainda na penumbra, os sapatos nos pés sem meias. Vestiu o casaco e resolveu que não se importava mais com o estado do seu cabelo, ele iria descer assim mesmo. Abriu a porta que se chocou contra a parede fazendo um estrondoso ruído.
Bento estava sentado no último degrau da escada. Dimas desceu sem perceber os degraus, tamanha era a sua pressa. Rezava milhares de vezes para Deus, pedindo em milésimos de segundo que não fosse verdade.
—O que foi Dimas – perguntou Bento de forma grave.
—Saia da minha frente irmão.
—Não Dimas, fica aqui cara.
Uma lágrima pelo canto do olho escorreu. O sinal de toda a compreensão. Não adiantava segurar, ele iria saber cedo ou tarde. Bento permitiu que ele passasse.
O desespero se transformou em uma espécie de silêncio em sua alma, nenhum barulho era ouvido por Dimas. Ele caminhou até a sala do confessionário, abriu a porta que dava para o altar da igreja passou por ela sentindo um infinito peso cair sobre seus ombros, o mesmo peso que deveria ser erguido a qualquer custo, pois dele ele retiraria a força para agüentar outras tragédias como aquela.
Olhou para o centro da igreja e lá ele encontrou novamente os olhos que haviam marcado a sua alma, só que agora eles estavam fechados. Amélia estava morta, nada mais valia a pena. Dimas perdeu o equilíbrio, Bento vinha logo atrás e o segurou.
—Calma irmão – disse ele – estou aqui pra ajudar.
Dimas andou até o corpo. Ele olhou pra ela lembrou-se de tudo mais uma vez, como um mantra. Ele então entendeu que suas almas estavam ligadas para sempre.
Branco o disse que ela havia sido morta, no dia escolhido, por tentar salvar um animal. Dimas sorriu. Ele a encontraria com certeza em algum lugar em algum tempo que ninguém poderia saber, pois as almas gêmeas estão eternamente interligadas.
E sem saber, o dia escolhido fez o que deveria fazer. Uniu os fragmentos de uma única alma que estavam espalhados. Amélia, Lucia (ou Lucy), Noah (ou André), Branco, Davi, Amyr (ou Zamaré), Rudi e Mina, Patrícia e Beatriz e muitos outros fragmentos de outras almas que estavam espalhados também. Porque todos somos um e respiramos juntamente com o planeta em que vivemos. As árvores, o céu, os rios e mares são o mesmo ser vivo que cada um de nós. O sal e a água do mar, a força que as plantas retiram do chão, a luz que chega até aqui e o ar que venta nas asas de uma borboleta mas que se tornam furacão do outro lado mundo, tudo isso está dentro de cada um de nós e nós apenas resolvemos nos esquecer disso.
Durante semanas Dimas não conseguiu comer direito e nem dormir. Mas quando finalmente ele viu o que isso tudo significava ele resolveu se libertar. Resolveu carregar o peso que havia adquirido mas de cabeça erguida. Não faria como João que lamentava a morte da esposa diariamente se deixando ser vencido pelo peso do acontecido.
Dimas saiu pela porta da frente em uma bela manhã e respirou fundo o ar que o rodeava. Olhou pra trás e viu a sua mãe com a cara de sempre, a de que dá os pêsames e disse:
—Mãe, estou indo viver, cuide de tudo enquanto estou fora.
E saiu, viajou para longe e descobriu que não tinha raízes, estava em casa onde quer que fosse. Descobriu que o peso que tinha que levar ficava mais leve a cada dia e retirou de todo o mal que encontrava na sua vida a parcela de bem.
E enquanto a aventura de viver durava, no som do walkman de Dimas, uma música do Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band era a trilha sonora de suas descobertas. Exatamente a terceira faixa do álbum...