1/23/2016

Quando eu estava morrendo, tudo se coloriu da minha cor predileta. Como se eu estivesse acabado de colocar óculos especiais, que tornassem tudo perfeito visualmente. Cada sombra, cada linha de cada rosto tornou-se uma textura de pura beleza, dentro da minha cor predileta.

Eu estava deitado, olhava inclinado para as pessoas. Um cheiro de árvores invadiu a sala e, junto com o que eu estava vendo, construiu algo que em nenhum momento eu conseguira. E, junto com o cheiro, o som de ondas à distância de um mar poético em cada um de seus movimentos. O mar se aproximou de mim e agora tudo estava colorido, perfumado e musical.

Eu pude ver e ouvir a voz de pessoas que eu sempre amei mais uma vez. Estavam sorrindo, mas o sorriso espelhava a tristeza e eu não conseguiria nunca dizer o quão delicioso estava sendo morrer. Eles não precisavam sentir essa tristeza. Naquele momento eu percebi que a morte é o presente da vida, o ponto final que dá todo o significado a uma extensa poesia.

Iniciamos nosso texto tendo nossas mãos seguradas pelas dos nossos pais. As letras saem tortas, tremidas e há sempre ali o resultado de mais de uma mente escrevendo em uníssono. Com o tempo, aprendemos a escrever cada vez mais sozinhos. Até que um dia não queremos mais a ajuda de ninguém e nossos versos mudam o estilo drasticamente. Os meus se encheram de revolta, de dúvida, de tristeza, de uma solidão que só eu mesmo sentia.

E com o passar dos dias eu encontrei alguém para me ajudar a escrever cada linha do que ainda faltava dessa poesia. Alguns versos agora saiam sem estilo, uns, sem métrica, outros, péssimos. A maioria, no entanto, refletia um detalhamento artístico que eu nunca conseguiria sozinho. Lindas estrofes em perfeita sintonia.

O tempo passou e eu percebi muitas vezes que havia me perdido. Eu nunca conseguia entender o motivo da minha existência. E quando eu me deitei, escrevi os versos mais amargos que já havia escrito.

Mas naquele exato momento em que eu estava morrendo, tudo se explicou. Do entendimento do nascimento aos planetas em todas as constelações. Da existência da vida ao enigma da morte. E eu percebi que eu nunca estive tão feliz na vida. Não havia dor, não havia medo. Só o verde nas pessoas, os aromas e os sons. E tudo ficou longe e eu não mais me importei com nada.

E agora, descrevendo esse momento, olho ao meu redor e percebo que nada realmente importa muito. Preciso viver, mas isso não tem importância. Cada passo dado, cada verso escrito, são apenas substância necessária para construir o caminho para o ponto final.

Levanto-me. Vou à geladeira buscar mais uma cerveja. Eu estou sozinho, gravando vocais para uma música. E isso é apenas substância, algo para se fazer, enquanto espero pelo ponto final.