10/15/2012




Duras, as palmas acolhem o pó
Chove, porém não há som...
Caolho, desenvolve passos
Entreaberta, a porta lhe aguarda

Só, aconchega-se no desespero
Gelado é até o vento que a chama empurra
Esfarelada, a pele dos lábios se estica
Luminosos, os dentes conhecem o sol

Ele encerra todo fim, último!
Ele descobre então assim, sóbrio,
Já tão perto de cair, morto...
Que não há de quem partir.

9/25/2012


A sensação de viver impregnado pela cautela me dominou por completo. Nada é perigoso, tudo é calculado em seus prós e contras nos mínimos detalhes. Quando há uma real possibilidade de ruína, por mais sutil que seja, afasto a idéia.

A cautela, essa em específico, pode ser confundida com o medo. No meu caso, a cautela é a pura evolução de um medo crônico que me acompanha desde que me entendo por ser pensante.

A vida se torna um quadro em sépia profundo quando se vive em cautela. O momento mágico é aquele em que ao voltar do trabalho, bebe-se café assistindo TV, programas repetidos aos quais já são conhecidos começo, meio e fim.

Eu sou bom em começar coisas. Péssimo em terminar.
Nunca consigo me desprender de algo que não dá mais para sustentar.

Eu sou também perfeito em me esconder. É comum eu passar dias inteiros sem ser eu. Na verdade, acho que eu já morri em meio à cautela, ao morno, ao conforto cortante que sufoca.

Hoje foi difícil. A angústia foi tão forte que eu a sentia correndo nas artérias. Senti meus pulsos borbulhantes, um desespero que não podia continuar. Dirigi por algum tempo em total anestesia. Catatônico, não sabia para onde estava indo. Até que tracei um destino, apenas para poder ir até ele.

Senti vontade de pegar a estrada. Ir até qualquer lugar. Voltar logo depois (não conseguirei nunca partir sem olhar pra trás) para a mesma cautela de sempre, para o mesmo medo, confortável medo.

Então eu ouvi uma música, que me lembrou de um livro, que me lembrou de uma cena de um filme e então eu me senti um idiota. Pela primeira vez em muito tempo (anos eu acho) eu consegui chorar por alguns segundos. Não lágrimas escorrendo. Choro mesmo.

Respirei mais livre depois dessa merda toda.
Não sei o que o futuro me reserva, mas vou começar a ensaiar alguns atos não cautelosos. Quem sabe um dia eu me lembre de quem eu deveria ser.


8/09/2012

Como uma sombra
Me falta substância

Como uma imagem no espelho
Sou o decalque do que deveria


5/28/2012

Precisar estar alerta o tempo inteiro é um grande problema para quem não está em meio a uma guerra. Porque será que eu sempre estou com a guarda levantada? Eu Pereira de dormir novamente. Não consigo desligar. Acho que preciso de ajuda.

4/15/2012




Tarde da noite, na pequena cidade de Edimburgo dos Sete Mares, John Lavarello caminhava por uma das poucas ruas da cidade que se resumia a menos de 300 habitantes. Ele se sentia sozinho por mais que estivesse cercado por sua família e seus amigos. Absolutamente nada que havia acontecido em toda a sua vida havia lhe chamado a atenção. Ele desprezava sua vida sem valor.


Tentando lidar com o vazio, John imaginou o que poderia acontecer se inesperadamente ele desaparecesse. Sentiu que ninguém notaria sua falta com poucas exceções. Claro, essa previsão se baseava nas horas ou dias que se seguiriam a seu sumiço. Meses depois todos os habitantes já estariam tentando recordar-se do que o jovem mal encarado e quieto fazia.

John acende um cigarro enquanto olha ao longe algumas ondas mais altas se quebrarem. O dia seguinte será feriado, não há nada pra fazer a não ser se sentar em algum lugar e beber até ficar dormente.

Ele se levanta com uma dificuldade anormal. Não sabe o que está acontecendo. Suas pernas não lhe obedecem mais. O chão se aproxima do seu rosto rápido demais para mesmo emitir um grito e, no instante seguinte, quando recobra os sentidos, está no chão, de bruços e com a cabeça virada para o lado. Não consegue mover nenhum músculo. Nem mesmo pisca. Sua pele esquenta e fica vermelha. Sua respiração e batimentos cardíacos se reduzem tanto que quase são imperceptíveis.

A noite passa e John nada pode fazer. Apenas olha a paisagem solidificada de sua cidade ao dormir.

Quando o sol começa a aparecer, fazendo seus olhos doerem com suas pupilas dilatadas e solidificadas (o que permite a entrada de uma quantidade anormal de luz), as primeiras pessoas começam a sair de suas casas. Não demora muito para alguém encontrar seu corpo.

- Oh meu deus, alguém se feriu!
- Ele está morto?
- Não sei...
- Encoste nele homem! Se ainda estiver vivo, temos que tentar salva-lo.

Os batimentos do coração e a respiração nem são percebidos, mas quando viram John com o peito pra cima para tentar uma massagem cardíaca, percebem que sua pele está quente. Como se queimasse de febre. Concluem que ele está vivo, mas não conseguem explicar como. O levam para a enfermaria da cidade e tentam faze-lo melhorar.

Nos calendários da cidade, o ano de 1965 se perdia à deriva, como uma embarcação em alto mar.

Deitado na cama com seus olhos semi-abertos, John se espantou em ver seus pais se revezarem com seus irmãos para cuidar dele. Rezando todos os dias, dando banho em seu corpo paralisado e que teimava em não esfriar, mesmo com medicamentos fortes para a febre.

Amigos o visitavam sem parar. Deixavam presentes, dinheiro, remédios. Choravam muitas vezes. Mas John não conseguia se mover mesmo assim.

Os anos se passaram e John podia ver que seus pais aparentavam cada vez estarem mais velhos. Seus irmãos antes pequenos tornaram-se adultos, passaram a lhe visitar com as esposas, depois com os filhos e com os netos. Primeiro sua mãe não vinha mais e seu pai, muito velho e debilitado conversava com ele dizendo que brevemente não estaria mais ali para cuidar dele. Beijava-lhe a testa sempre quando chegava e quando partia.

John viu seus irmãos ficarem com cabelos brancos e magros. Os viu sendo trazidos com a ajuda de seus netos, que já estavam casados e com filhos. E por fim, nenhum de seus irmãos ou amigos vinham mais vê-lo.

Mudaram-lhe para um outro quarto. O teto era mais baixo, mas o cheiro era melhor, mais fresco. Os médicos usavam cortes de cabelo diferentes. Suas roupas mudavam muito de estilo enquanto ele observava os dias passarem.

E os bisnetos de seus irmãos ficaram velhos e carecas. Ele nunca mais os viu de um tempo em diante. Ficava lá, deitado sozinho, queimando de febre, respirando quase nada e com o coração praticamente parado.

Uma forte chuva começou a cair do lado de fora. John piscou brevemente. Sentiu frio e percebeu que seus dedos voltavam a ter tato.

Levou dois meses para John conseguir se movimentar normalmente, dobrando suas articulações há tempos paradas. Sua respiração e batimentos cardíacos voltaram ao normal. John não havia envelhecido nem um dia sequer. Até o pequeno corte em sua face, que aconteceu quando caiu no chão, ainda estava lá.

Caminhou até uma tela colorida que mostrava as horas e a data.

5 de abril de 2193.

Chorou. Havia perdido tudo no tempo, evaporado diante de seus olhos. Tudo o que ele tinha e que ele nunca havia prestado a atenção. Todos os bens que ele nunca mais poderia recuperar: as pessoas que o amavam.

Não há relatos de nenhum caso médico parecido com o de John em todo o mundo. Sabe-se apenas que ele entrou em uma espécie de condição de hibernação extrema que pôde ser revertida naturalmente depois.

Quando ele finalmente saiu do hospital, a pequena ilha de Tristan da Cunha não era mais a mesma. Não tinha nem um décimo da beleza e poesia de antes.

Ele foi levado a seus parentes ainda vivos. Descendentes de seus irmãos.

Morreu com 105 anos de idade (se forem subtraídos os anos em que ficou hibernando). Casou-se logo, teve 5 filhos e amou a todos a cada minuto de seus dias.

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Todos somos especiais. Por mais que a vida não reserve nada de estupendo ou grandioso, o fato de estarmos vivos é em si um maravilhoso motivo a ser comemorado.
O amor é a lei universal. Está acima de todas as leis e mandamentos.

1/13/2012




Voando
Cada um constrói asas
Do tamanho que pode
Para altitudes que almeja

Caindo
Ninguém lhe arranca as penas
O chão é um auto-presente
Para quem almeja o abismo




Cinematic Orchestra - To Build A Home by cecilen