12/24/2009

O amor é o maior sentimento que existe.

O amor está sobre todas as coisas.

O amor está sobre todas as nações e todas as religiões, todas as leis e todos os deuses.

Ame o amor.

11/30/2009

Samba da realidade

Eu vou me matar amor
Porque viver já não é tão fácil assim
Você vive me perguntando
Porque eu ando comungando
Com a tristeza dessa melodia
E eu, que não sei o que responder
Me emudeço num canto
Sem expressão e nem pranto
Tentando não vacilar
Porque até os blocos na avenida
tem seu saldo de alegria
no final do dia
pra compartilhar
E eu, um acorde dissonante
Não me encaixo nesse instante
Em nenhum cantarolar
la laiá la laiá

Eu vou facilitar amor
Dar um último suspiro antes de caminhar
Não espero conforto nem mesmo que esse samba
Possa me acompanhar
São tantos muros que temos que escalar
E eu que só sei comungar
Com a tristeza desse lugar
Resolvo partir agora
Antes que seja tarde demais pra chorar

9/21/2009

Bering

Hoje eu estava observando pelo Google Earth o Estreito de Bering que se situa entre o continente asiático e o Alasca. Nós que estamos acostumados a olhar o Mapa Mundi sempre colocando o Oceana Atlântico no centro, estamos acostumados a ver esse estreito dividido ao meio. Na verdade, as extremidades dos continentes ficam a apenas 85 kilomêtros de distância. Você literalmente pode ver o norte da América sentado na extremidade do continente asiático.
Olhando as fotos incríveis do lugar eu me peguei pensando o quão infantil eu sou por não conhecer nada de nosso mundo. Eu queria profundamente poder estar nesse lugar alkgum dia, visitar vários cantos da Terra e aprender a respirar o ar desses lugares.
Sempre nos colocamos diante das dificuldades que nos impossibilitam e a principal no meu caso e no caso da maioria das pessoas é o dinheiro. Assim, me lembro da biografia do Paulo Coelho (que eu ouvi numa versão AudioBook) onde ele conseguiu viajar pelo mundo sem muito dinheiro, mas sempre sem luxo.
Me falta a coragem de passar pelas privações de encarar esse tipo de aventura. A fome, o frio, a cama quente e confortável. Acho que eu seria uma pessoa melhor se um dia eu tentasse. Não melhor com os outros, melhor comigo mesmo.

8/11/2009

Se é chama que me chamam
Aceito o ofício de acender
Iluminar enquanto a noite reina
E morrer no vento frio matinal

E se sou chama de vela
Pequena e comportada
Inspiro ao santo e ao libertino
Em ambas as formas de orar

Mas quando só o pavio não basta
Sou chama que destrói as casas
Levanta vôo e libera as almas

E me transformo em floresta
No crepitar das folhas mortas
E no meu leito nas margens do rio

8/06/2009


Um anjo caminhava entre as florestas da Terra e admirava as paisagens quando se deparou com um homem que meditava. Este meditava tão profundamente e por tanto tempo que formigas haviam erguido casas ao seu redor. Então, quando percebeu a luz do anjo abriu os olhos e pediu:
- Anjo, quando estiver novamente com a divindade, pergunte quando alcançarei a iluminação, por favor...
O anjo fez que sim com a cabeça e continuou sua caminhada. Quilômetros mais a frente deparou-se com outra pessoa. Este, pulava e tocava seu tambor e festejava com alegria. Quando percebeu o anjo pediu:
- Anjo, quando estiver com a divindade, pergunte quanto falta para que eu alcance a iluminação.
O Anjo fez que sim novamente e seguiu seu caminho.
Estações se passaram e o Anjo resolveu caminhar novamente pela mesma floresta. Foi então que encontrou o primeiro homem que lhe perguntou:
- Anjo, tens a resposta de quando atingirei a iluminação?
E o Anjo respondeu:
-Sim. Você alcançará a iluminação daqui a quatro vidas.
O homem se prostrou e reclamou. Teria que nascer mais quatro vezes para em fim terminar seu ciclo.
Assim, o Anjo continuou a andar e encontrou mais a frente o segundo homem que como de custume, pulava e festejava. Assim, quando viu o Anjo ele perguntou:
- Anjo, sabes então quando alcançarei a iluminação?
E o Anjo respondeu:
- Veja essa árvore de tamarindo ao seu lado. Você terá que renascer uma vez para cada folha desta árvore para que atinja sua iluminação.
Assim, o homem que festejava parou de pular. Olhou para o Anjo e abriu um sorrigo grandioso e feliz começando a gritar:
- Falta tão pouco para que eu alcance minha iluminação! Estou muito feliz!
E assim, uma voz que veio das árvores e soprava como o vento disse em tom suave:
- Filho, olhe para árvore de tamarindo, suas folhas caem uma por uma por você e cada folha que cai é menos uma vida que terá que viver.
E as folhas caíam uma-a-uma até que não restou folha alguma.
E a voz continuou:
- Por sua vontade, perseverança, alegria e fé você acabou de alcançar sua iluminação.

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Esse é um texto que eu li em um livro de um homem muito sábio chamado Swami Vivekananda. O texto não está idêntico mas a essência está aí. Por isso não temos nunca que desanimar. Por isso, as maiores estradas tem que ser encaradas como pequenos caminhos até nossos objetivos.

7/28/2009


Eu descobri que todas as minhas melhores lembranças são na verdade mentiras. Elas nunca existiram. 70% de tudo o que me lembro com nostalgia é romanceado pela minha mente. Dessa forma, viver no passado tem muito mais sabor que no presente.

7/07/2009

Hóstia
(13-14/12/2002)

Devagar, desenhando seu rosto
E rápido, observando seus olhos
Roendo os segundos de distância
E sentindo o vazio de nós...

Corpo de meu cristo, eu
Cela sem grades para prender
A letargia me aprisiona
Nos poros de meu corpo

A minha letícia vazia se expande a cada dia
Em meu corpo, meu eu, minha hóstia tardia

Rápido, trocando de pele
E lento, rastejando no asfalto
Plastificando os músculos do éden
E sendo o que quisermos...

A minha letícia vazia se expande a cada dia
Em meu corpo, meu eu, minha hóstia tardia
Quebre minha face, reescreva minha estória
Minha lápide de pele, minha casa de escória...



A Serpente
(21/12/2002)

Não, não quero compreender o que não posso
Só supor, e deixar que exista sem minha mão.
Não, não quero deitar numa cama sem lençóis
Prefiro dormir ao relento, curar meu sono cristão.

Não, não quero olhar por essa janela entreaberta
Prefiro me contentar com a imagem de sua fechadura.
Não, não quero comer a carne do corpo de uma mulher
Prefiro morrer com a fome que devasta minha escultura.

Desisto de saber o que são os segundos do meu dia
E prefiro compor para mim mesmo, uma sepultura
Uma lápide onde se lê: ¿morte tardia¿.

Corto pela raiz os sentimentos naturais do ser
E prefiro compor para mim mesmo, uma melodia
Uma canção sem palavras para dizer.


A Chuva Tardia

À noite, a mesa fria e vazia
Com sua amargura e frieza,
Contando aos olhos toda a tristeza
Que obtém uma chuva tardia.

Na parede da casa ela escorria
Sem esperanças de algo brotar,
O concreto sem sementes para germinar
Abrigava meu filho que de fome morria.

E para dentro da igreja tentamos nos salvar
Mas a chuva e a fome conseguiram nos derrubar
Para no solo agora fértil, começarmos a morrer!

E nossos corpos deitados na terra
Contemplando a chuva que se encerra
Fertilizando o solo com nossas células a perecer.



Floresta
(06/04/2003)

Sozinho, a incerteza gerada
Pela escuridão de mim mesmo
Congela lentamente a razão
Que não mais me acompanha

Deserto, a visão das árvores
Destrói aos poucos o rastro
Que deixei esculpir na alma
Para que a alma seguisse sem mim

Um último momento para dizer adeus
A floresta de mim cresceu demais
Folhas derramadas em um solo sacro
Que sujam, e quebram a paz...

Petrificado, angustiado
Exaurido, e despedaçado
A fé, o abismo, a liberdade
A dor de não saber a verdade



11

Deitado, uma praia negra dorme atrás de mim
Como o vento que já não é mais o mesmo
Eu me torno aos poucos, eu me dilacero, devagar...




Olhos

Aos sonhos de cada deus
Aos olhos de cada ser
Me locomovo perante ti
Me arrasto diante da escuridão

Sob as cidades por um fio
Durmo a noite dos mortos
Que teimam em tentar dizer
Teimam em tentar me acordar

Mas as rosas de sangue que vieram de longe
Parecem querer sempre mais para viver
E não murcham, mesmo com o sol escurecido.

E as sementes plantadas no solo hostil
Tentam germinar, tentam transpor a barreira
Tentam em vão, cortar as cortinas da lua...




A Musa Doente
(27/06/2003)

Ah, minha musa que se estende
O que faz o corte no teu corpo
Que continua oco, mesmo em manutenção
Ah, meu vento passado
Sentindo a pele que não sabe
De que dela cabe a frustração

"Loucura e horror, nas sombras taciturnas."

Ah, minha Eliete sôfrega
O que faz em tuas palmas a carne
Crua mas que não sabe quem a matou
Ah, a tal letícia já se foi
Conta pro teu corpo
De olhar também oco, o anjo que o levou.

Não há ventre pra gerar, meu amor...

Uma musa que esteve doente
Quando eu tive medo de perguntar
Estragou seu belo vestido
Só para tentar se curar
Teus olhos ocos são agora
Visão da noite a perguntar
Talvez comer ópio me ajude
Talvez as estrelas e a lua possam me ajudar.

"Medo e frio, parece que toda a vida se foi de mim. Eu sei, a culpa foi toda minha, não precisa gritar. josias ou eliete, tanto faz do que queiram me chamar. eu só queria poder ser o que eu era, um templo vivo, um ser humano, uma taça a esbordar."



A terra além da floresta
(14/11/03)

Bm7 F#m7 G D
Através dos montes Cárpatos
Bm7 F#m7 A A#º
Eu sei que você vem
Bm7 F#m7
Então
G D Bm7 F#m7
Traz a dor da compaixão
A A#º
Em meu corpo só
Em Bm
Que seria sim
G A
O meu templo em fim
A#º
Mas que se foi de mim
(B G E F#)2x
Bm7 F#m7 G D
Eu parti, de mim mesmo a tempos
Bm F#m7
Atrás
A A#º Bm7 F#m7
Me perdi e não senti
G D Bm7 F#m7
Toda a deformação
A A#º
Minha cela então
Em Bm
Minha nova casa
G A
Minha nova razão
A#º
minha velha destruição
(B G E F# B G F# A A)
G
Eu sei
B
Eu sou
E
Eu tentei
F#
Não durou
G B
O que eu pude fazer
E F#
ESTOU PRESO EM MIM MESMO!

(B G E F#)4x (G A B)4x
(G A Bm)
Não adianta mais
Ele já se foi
O meu único deus
A
EU...

G
...sei
Bm
Já não sou
Em
Eu tentei
F#m
Acabou
G Bm
O que eu pude fazer
Em F#m
Estou preso
Em F#m
Estou preso
Em F#m Bm
atrás de grades que nunca irão cair.




Josias
(25/10/2003)

Existe uma multidão estagnada
Dentro de meu coração
Ele se debate e uiva
Mas não consegue em fim vencer

Existe em mim a questão:
Que olhos vão durar pra me ver
Quando a vida me vencer
E por fim me tornar chão?

E quando será isso, já que temo
Já que peço e preciso
Desse minuto de compaixão
Dessa prova de estar vivo
Desse derradeiro destino que nos traz
Com certeza a sensação
De viver?

E quando poderei ver o mar como espelho
Pra corrigir minhas infinitas imperfeições
Pra espelhar o céu que é infinito
Pra livrar me da cadeia
Viver
Morrer
Renascer

Grades
Grades
Grades



Coma
(21/03/2003)

Oh Pai, meus olhos não mais enxergam,
Eu tento me esquivar, mas estou cego
E quando finalmente sou atingido
Sangro pecados salgados de meu ódio

Oh Pai, meus ouvidos teimam em não escutar
Sei que existem tantas palavras, mas estou surdo
E quando por um instante lembro-me de sua voz
Ela é sugada pelo resto de meus ruídos

Oh Pai, minha pele agora já está dormente
O vento, o sol e a chuva existem, mas não posso senti-los
E quando sei que sou ainda um ser humano
Volto a lembrar o que é a dor, e perco a consciência

Oh Pai, minha boca e minhas narinas não mais sentem
Meu mundo particular está criado, sem cheiros e gostos
E quando consigo construir meus prédios catatônicos
Um terremoto gigantesco me mata de cada maneira

Deixe-me morrer finalmente, se ainda não morri
Deixe-me partir de mim mesmo, e encontrar a luz

A luz que a muito não contemplo, que a muito se escondeu de mim
Atrás de pupilas rasgadas por minhas próprias unhas
Os sons que se foram por causa de uma tristeza imensa
Que matou minhas células, necrosou meu mundo
Os prazeres que partiram inevitavelmente quando a frieza
Dos metais resolveu conhecer a ingenuidade de minha medula
Quando por final me entreguei a meus próprios méritos
Quando por inteiro deixei de ser o que eu sempre fui
Ou apenas conservei os vermes de minha alma
Matando, meus últimos momentos de naturalidade
Com drogas eternamente simbióticas a meu ser doentio

Oh Pai, salva-me desse universo insípido
Dessa amargura branca, desse monstro alado

Oh Pai, olha pra mim e diz, diga pra mim e sinta
Sinta por mim e ame, o que nunca pude amar...



Silêncio (Para Mim)
(17/07/03)

I
Nos meus olhos, dores infinitas
Talvez nada possa me curar
Nos meus dias, o sol escuro
Canta a morte bem devagar

As grades são as verdades
Os muros são as dúvidas

Nada pode me fazer querer
Nada que existe em mim
O meu corpo só é um hospício celular
O meu ser brinca de ser alguém a se odiar

II
Palavras são a liberdade
Ações são minha razão

No meu corpo, vejo a precisão
E temo agradecer pra sempre
Nos teus olhos, vejo você
Somos o mesmo separados pra sempre

Nada vai me impedir de ser
Nada vai me dizer seu nome
O universo só é uma passagem física
Minha alma é quem diz quem sou

III
O futuro não é mais o que o passado tentou fazer
Minhas mãos nunca estiveram sozinhas
O meu corpo é uma peça importante do jogo
Mas meu único Deus é maior que isso

Veja-me agora que estou aqui
Veja-me agora que sou imortal

E as flores do meu jardim nunca mais irão morrer
Pois suas pétalas agora sabem que eu existo...




XVII

Um sol pálido me cobre de luz
Me ilumina a tarde, sólida
E me contemplo só em uma esquina
Sozinha ela vai embora
E eu a mantenho, em minhas veias.
Um gosto branco em minhas narinas
Sua pele e seios
Ela




Pequeno Monólogo de Alguém
(03/02/2003)

Detesto ver os olhos de quem não me enxerga
Detesto observar o que não posso ter, acima de mim
Detesto ter que olhar pare meu futuro

Detesto ter que beijar a boca amarga e dizer doce
Detesto esconder de mim mesmo o que eu não preciso, o que eu não sou
Detesto que todos me vejam, e ninguém me enxergue.




Palavras
(08/01/2004)

"Palavras mortas deitam-se
Sobre cada neurônio meu,
Elas tentam cobrir-me do sol
Que a muito se foi de mim"

Palavras sóbrias soam,
Um ser incerto as ouve
Digere de forma dolorosa
Defeca de forma repugnante!

"Quem sou eu meu Deus?" grita a criatura
Tentando compor em canção tal pergunta
Descobrindo que o céu é uma mentira

E caindo ao solo que agora lhe inspira
Percebe grãos perfeitos de areia musical
E olha pro céu que agora é só feito de palavras...




Oceanos (Parte II - O milagre e o entendimento)
(9 e 13/06/02) Para meu avô Rubens

Meus olhos abrem-se para o que nunca vi
Percebo o que sempre procurei
Eu sei de que são feitos meus oceanos

E por mais que o céu espelhe a todo o conhecimento
De mim nuca conhecerão o sono
Dorme em meu colo o entendimento
De meus sonhos então a cela/o ser e a dor

De baixo das pétalas do caule
Existem sonhos ainda escondidos
Eles desembocam em rios de meus oceanos

E por mais que o sol ilumine meu esquecimento
Não há mais luz pra me acordar de manhã
Nas visões dos meus netos encontro o tormento
De uma sinfonia surda que ninguém ouviu

A poesia que um dia foi minha
Se consumiu por completo e sozinha
Não existe dor em meus olhos
Pois todos os anjos já foram mortos




O Segredo

Tudo aquilo que pensei ser
Todos os sonhos que pude ter
São flores maldosas, maldade e razão
Meu corpo é uma cela, células e prisão

Mas sei que não há mais segredos aqui

Inertes
Inférteis
São sonhos mortos que não podem
Ser
Existir
Em primaveras negras o medo...

"Eliete, me conte o porque
Se todos se foram, pra que viver?"
Espinhos em taças que não transbordam
Secam/evaporam, desistem/inexistem

Inertes
Inférteis
São sonhos mortos que ninguém pode
Ser
Existir
Em primaveras negras o medo
do segredo
do desejo de ser
o segredo
é que não podemos ser

Inertes e inférteis, são sonhos mortos que alguém pode ter
E sentir a primavera negra em que o medo...




Nova
(05/07/03)

Nova sente a vida diferente
Passados moram em sua mente

E não passarão - Monstros na escuridão
Morte-cor em seus olhos - A visão...

Nova sente a morte de repente
Seus lábios a beijam de frente

E não restarão - fragmentos no chão
Morte é seu nome - Nova não...

"Lábios que se abrem para o beijo
mas nunca sentem o frio a deslizar
Morte em tudo que eu desejo,
Mortos dentro de meu olhar..."

Morte, meu coração - Solte minha mão
Deixa o ser em mim mesma - Nova visão.



Morfina
(12/08/2003)

Existe um compromisso de cada célula
Com a morte que espera, a cada momento
Existe em mim, o compromisso com a dor
Com a morte e com o sabor da vingança.
Uma lâmina que corta mais fundo a cada dia
Se encarrega de resgatar o que era meu ódio
Uma lâmina que destrói minhas células
Que me causa de longe, uma grandiosa autólise.
Deixe-me morder meu corpo
Ele só quer sentir um pouco mais dessa dor
Deixe-me cortar meu corpo
Ele só quer sentir-se único em um mundo distante

Ah, um abutre que vociferou meu nome
Guarda o pedaço do granito afiado
Que entre os dias que trago
Para meu túmulo velar.
A porta que nunca mais se abrirá
Mas que permitirá olhar
Para dentro de minha eternidade
E perceber que sou nada

Mais um homem em um infinito campo de acácias
Que se rasteja entre a perfeição das pétalas
E a tortura dos espinhos afiados
Mais um coitado que se perdeu de casa
Que nunca mais voltará a ser o que é
Que tem medo de virar cada esquina de sua vida.
Longe de seus abismos e na verdade dentro deles
O céu é apenas um infinito mar de sonhos
Nunca atingido
Nunca transposto
Até agora...


O Cemitério
25/03/2004 às 22:42
E existiu a incerteza,
Que se cultivou cedo
Em campos vazios
E ásperos chamados de coração...

E a ela foi confiada à água
Que escorria como lágrimas
Das rochas mais altas
Da planície que é a face.

E a incerteza tornou-se dúvida
E a dúvida, rancor e finalmente
Ódio, quando todos foram embora.

E um dia a água cessou
E o áspero campo tornou-se cinza
Onde novas flores começaram a crescer.



A Um Inimigo
14/02/2004

Recoberto pela imensa névoa da alucinação
Voltado para rasgos pequenos e invisíveis
Ele contempla a chuva em suas veias
A queda de milhões de pedaços de si mesmo

Tocando-se ele percebe a carne por baixo da pele
E consulta a si mesmo sobre a possibilidade
Lambe-se e comprova o sabor, grita e comprova o som
Vivo e sem saber porque, emerge lentamente

A lama uterina criada por completa imunodeficiência
Passa-a para mim e desgasta a terça parte
Globos oculares que nascem mortos pra ver o sol
Glóbulos pequenos escapando por entre os poros!

Insatisfeito ele rabisca o sol com as unhas
Imperfeito a sua carne se decompõe lentamente
Inconformado por não conseguir o sustento
A mandíbula cai da face e seus olhos choram

Contando até os últimos momentos
Seus vermes o abandonam pelos orifícios
Sangue no chão
E no teto

Caindo sob a árvore ele percebe o chá
Entorna sobre seu cabelo, molha o coro
Não percebeu e não molhou de verdade
O mundo não parecia tão aconchegante

Corta-se
Arranha-se
Destrói-se
Mutila-se

Novamente seus olhos abrem-se para ver a chuva
Que cai lá fora
Levando-o embora
Pra sempre




Frágil

De repente, a vida tornou-se frágil
E as nuvens de arrogância se dissiparam

Ah, e meu mundo tão real
Se tornou abstrato demais
E meu dia surreal
Trincado em sua borda de cristal

E a vida passou diante de minha janela
Sem entender, eu me atirei nela

E sobre Minha Paz
A que sempre pude perceber
E sobre minha dor
A que sempre pareceu real

E os deuses passam na semana
Que não mais quero ter em paz

Ah, e meus dias tão reais
Se mostraram frágeis demais
E meu mundo surreal
trincado em sua borda de cristal


Absinto
02/05/2004 (4:14 da manhã)

Fada
Destrua as pontes de minhas ilusões
Seja
A sobra verde que reforma as paixões
E erga meu peito e rasgue meus sonhos
Que caiam por terra os dias distantes
Entorpece os olhos a muito tristonhos
Com o ar ácido e palavras cortantes

Em minhas veias, pecados mortais
A meus olhos: tarde demais
Em garrafas de sonhos carnais
Suicídio: meu medo traz...

E nas folhas: o mal impiedoso
E no ventre...
Em meus braços: o ar rancoroso
Em minha alma: absintio!

Fada
Arrasta de mim o real carrasco
Seja
O que me salva do fracasso
Mata meu corpo e destrói o passado
Com o sumo da erva o amargo da luz
Corta meus pulsos, meus olhos vendados
Com o verde do suco o mundo abstrato!

Onde foram parar os sonhos que tentava guardar?
Onde foram parar minhas dores que tentava matar?




A canção da raiva
18/06/2004

Pele e escarro caindo de mim
Sangue e sonhos pingando
E eu não estarei vencido
Estarei sob meu altar
Em vocês!

Lágrimas e gritos enchendo a sala
Lesmas e grifos me arranham
E eu ainda estrei de pé
Vomitando eu mesmo
Em vocês!

E o que eu digo morre em mim mesmo
E o que canto serve para mim mesmo
Enquanto houver vida, haverá luta!




A PRAIA VAZIA
(22/09/2004)

...e a praia deserta
Cantando com o vento
Uma melodia difícil
Descobre o espinho
Da noite invisível
Que perfura o dedo
E sangra singela

...e despida se deita
No manto do mar
Sob um lençol estrelado.
A dúvida te corta
Como um espinho dourado
E o vazio te observa
Pela janela imperfeita.



(05/11/2004)

O frio da pele se confunde
Se desmonta sobre minha língua
Que desesperada se atormenta
Pelo suor de sua testa...

E me guio devagar em tua coluna
Descendo e sentindo os minutos
Olhos que se foram de suas órbitas
Em momentos de tato e gustação

Líquidos do meu corpo se despedem de mim
Se escondem em sonhos de sua pele
Que me acorda toda tarde de sábado

E a língua que esfrega em tuas costas
A saliva e o sabor de minha única pele
Esquece a vitória do dia e enfrenta a tortura da noite





Um poema pode ser uma frase
Um pomar pode ser uma árvore
Uma cantiga pode ser uma nota
Um carinho pode ser uma palavra

Um minuto pode ser tempo demais
Tempo pode ser o que não há
Dizer pode ser além do permitido
Além do que me permiti fazer aqui

O mundo anda pequeno demais pra mim
O século passa rápido demais entre meus aniversários
A noite se esconde na futilidade dos poetas

Eu sou fútil: sou poeta
Sou músico e escritor
Sou apaixonado mas não apaixonante
Sou a lástima de mim mesmo
O medo
O muro
O surdo

6/22/2009

GABRIEL ARAÚJO - Gabriel Araújo (2009 - Independente)



Numa dessas tardes de domingo em que você só pensa em relaxar, fui para o computador olhar e-mails e o twitter enquanto tomava um whiskey e buscava algo para ouvir. Parei no disco que havia acabado de receber, o auto-intitulado de GABRIEL ARAÚJO. A primeira coisa que observei foi a belíssima capa (cunhada pelo fera Bruno Borges), um trabalho de arte gráfica que ilustra bem o que se pode encontrar dentro do disco. Ok, coloquei a bolacha pra rodar e fui ficando intrigado com a intro. Um violão desafinado sendo escovado e tendo suas cordas esticadas para chegar a afinação. Logo em seguida, "Olhe pra'qui" iniciou seus acordes demostrando um trabalho harmônico complexo e muito bem composto. Texturas de sons aparecem ao fundo aumentando a profundidade da canção que demonstra um misto entre o experimentalismo, violão erudito e o alternativo.
A quase minimalista "Casamento Judeu" impressiona a cada momento ficando cada vez mais bela e mais tensa e demonstrando como apenas um violão torna-se o bastante para uma canção como essa. "Dia de vento" é com certeza uma das minhas prediletas. Suas estruturas complexas levam qualquer ouvinte a uma viagem de 11 minutos sem volta. Entramos então em "Cronologia Suspeita", tema desenvolvido em duas partes. A primeira é climática e hipnótica, com seu dedilhado arrastado e ruídos ao fundo é mesmo uma canção com cara de trilha sonora. Já a segunda parte é a canção mais atípica do álbum com arranjos de sintetizadores e sopro muito bem colocados. Uma atmosfera de jazz contemporâneo (que lembra grupos como The Cinematic Orchestra por exemplo) vai te embalando enquanto linhas de baixo vão dançando e rimando com sutis guitarras ao fundo. Essa canção demonstra claramente o potencial do compositor e a maturidade como produtor alcançada por Gabriel Araújo.
Seguindo em frente, mas um momento hipnótico e de grande beleza vai aparecendo em "Panorâmica da Ponte", faixa de 10 minutos que vai te deixando em estado letárgico, como uma mantra sem palavras até que você acorda no "Fim". Essa última faixa é na verdade uma espécie de resposta ao que aconteceu na "intro". Aqui, as cordas do violão são gradualmente folgadas até a completa desafinação.
Em resumo, minha tarde de domingo tornou-se uma viagem progressiva, exotérica, minimalista... Recomendadíssimo como trilha sonora dos momentos de reflexão e leitura. Gabriel Araújo está de parabéns! Já estou aguardando os próximos!

6/18/2009

ninguém é perfeito




ninguém é perfeito
ninguém é perfeito
ninguém é perfeito
...

6/17/2009

Acontece o seguinte:
a vida é uma equação matemática com infinitas variáveis. Se cada uma dessas variáveis é um universo paralelo, todos os dias, ou melhor, a cada segundo, uma nova infinidade de universos paralelos surge.

Imagine que toda a sua vida num desses universos é exatamente como se tudo desse certo. Imagine que aquele sonho elo qual você sempre lutou se realizou e você desfruta dele dia-a-dia com felicidade. Imagine que aquelas pessoas que puxam você pra trás tentando te fixar num único lugar da caminhada simplesmente se tornassem grandes impulsionadoras da sua vida.

Eu me pego imaginando isso várias vezes. Agora mesmo, momentos antes de ligar a tela do computador e iniciar esse texto eu estava imaginando como seria minha vida se esse fosse o universo onde tudo dá certo.

Diante de infinitas possibilidades (assim como as que acabaram por formar moléculas que resultaram nas primeiras células) eu acredito que exista um universo assim. Sem idiotas no governo, sem miséria na África, sem crime... sem doenças.

Lá eu seria um músico vivendo de sua própria música e sendo feliz a cada acorde. Lá as pessoas me impulsionariam a continuar e não tentariam a cada passo me passar uma rasteira. Lá todos conseguiriam ser o que quisessem e seriam além disso felizes.

Mas, vivemos um universo imperfeito, assimétrico, inconseqüente e doloroso.
Dizem que pra tudo há um motivo, será que há porque existirmos assim?

6/03/2009

2 - ...

Sentado a frente da sua tela de computador, Gregory analisa cada detalhe do e-mail que acabara de receber. Aparentemente mais um texto sem importância, uma propaganda qualquer chamada de Spam. O problema era que esse spam tinha uma quantidade enorme de símbolos e informações específicas a seu respeito, informações que nem mesmo sua família e seus amigos conheciam.
- Isso só pode ser uma coincidência – pensava em voz alta.
Era tão absurdo que seus segredos agora estivessem ali sendo expostos pra ele mesmo que, a cada frase lida, sentia uma forte pontada de pânico aumentar.
Levantou-se absorto com a mão esquerda sobre a boca como se estivesse tentando conter qualquer tipo de frase que poderia estar sendo observada, pois ele no mínimo estava sendo vigiado por alguém ou alguma coisa. Olhou para as cortinas do seu apartamento e pensou em buscar microfones, câmeras ou qualquer tipo de evidência de ele não era o único ali naquele momento.
Gregory iniciou uma busca desesperada pelo aposento em que estava. Iluminado apenas pela tela do computador, esvaziou gavetas, revirou armários, levantou móveis e nada encontrou. O nervosismo crescia a cada momento. Olhou para garrafa de Chivas Regal 12 anos que descansava quieta sobre a escrivaninha, encheu um copo em uma dose quase tripla e engoliu tudo de uma única vez. Havia esperança nele de que o Whiskey pudesse acalmar sua mente e fazer com que ele pudesse raciocinar melhor e descobrir o que estava acontecendo. Sentou-se novamente olhando fixamente o e-mail causador de tamanha reação e começou a pensar. Não adiantava buscar em nenhum lugar evidências de que estivesse de alguma forma sob investigação pois o conteúdo do e-mail nunca havia sido dito em voz alta. Apenas ele sabia.
Pensou então nos dias que perderia quando aquelas informações se tornassem públicas. Nas alegrias que deixaria de ter por ser alguém como ele era. Mas ele não tinha culpa, apenas havia se levantado da cama um dia e descoberto o sentido da sua vida. Ele se sentia culpado enquanto repetia para si mesmo que não deveria se sentir assim já que nunca havia procurado por isso.
Concluiu que não havia forma de se manter vivo enquanto o mundo ficava ali, horrorizado por aquelas descobertas.
Gregory abriu as janelas e olhou por cima a noite de Manhattan. Na mão esquerda a garrafa de Chivas aberta e já perto do fim contrabalançava seu equilíbrio enquanto bêbado, se pendurava do lado de fora e contemplava o chão a muitos metros de distância. Ele não conseguia entender, mas era melhor não tentar mais. Fechou os olhos e notou algumas gotas de chuva que começavam a cair e decidiu que nunca mais tornaria a ver o mundo, pois aquela escuridão era muito mais confortável que as luzes cruéis da vida. Sorveu os últimos goles como se fosse água mineral e jogou-se pela janela.
A polícia encontrou seu computador ligado e seu apartamento revirado. Na tela, a página do e-mail continha uma mensagem curiosa rodeada por símbolos pouco normais. Quando o inspetor Mcground começou a ler, percebeu de que se tratava de um Spam de um novo filme: http://www.getdigital.de/images/produkte/pi-poster.png

4/28/2009

O Livro da Carne - I


1.Como matar de verdade


Se eu pudesse retornar ao meu passado para passar uma borracha em algumas coisas que fiz, eu com certeza faria isso com pequenos momentos onde eu pequei contra o meu maior mandamento de hoje em dia: não amar.
Sinto-me imensamente culpado por ter dito que amava minha mãe e por tê-la abraçado tantas vezes pra sentir o cheiro reconfortante de sua pele. E minha mulher, sinto muito por tê-la amado demais, por ter
dado a ela dois filhos lindos que eu olhava todos as madrugadas enquanto dormiam. Sinto muito por ter pena de todos os que eu vi sofrendo e, por uma espécie esquisita de amor, ter tentado amenizar seus sofrimentos.
O amor enfraquece a alma e como era de se esperar, me deixou tão fraco quanto um graveto seco no chão que se parte e se esfarela quando uma criança pisa em cima dele.
Já fazem dois anos que eu me tornei uma espécie de nômade da cidade. Eu nunca paro por muito tempo em um lugar. O pouco dinheiro que consigo é realizando serviços na maioria das vezes desagradáveis demais para que alguém possa querer fazer. Eles me pagam e eu simplesmente transformo toda aquela nojeira em comida no final do dia.
Assim que eu resolvi recortar o amor fora da minha vida eu tive que tomar a decisão de nunca mais parar de andar. Nunca mais me sentar num ponto de ônibus e puxar conversa com uma garota bonita que poderia se tornar uma nova namorada, um novo caso, uma nova mulher ou uma nova mãe dos meus novos filhos. Não queria ouvir velhos contando suas histórias de vida no metrô enquanto eu voltava pra meu apartamento barato alugado em qualquer lugar sujo o bastante para ninguém querer saber onde eu estava.
E quando um novo laço de amizade se formava sem minha intenção, num momento em que eu abaixava a guarda, eu mudava de novo de cidade. Ia pra longe.
Mudei meu nome e minha forma de viver. Eu tenho meus propósitos, vou contar tudo aqui.
Eu cresci numa família áspera e tentava suavizar essa aspereza no passar da minha vida. Vi meus familiares tentando se matar várias vezes, gritando e se unhando até que ficavam semanas sem se falar sob o mesmo teto, desejando a morte uns dos outros. Só a minha mãe era doce o bastante para não ficar amarga como todos os outros. Durante 25 anos eu vivi sob ameaças de morte e todo o tipo de maldade que poderia ser feita entre seres humanos, e o mais absurdo, éramos todos primos,
avós e tios...
Eu tentava sem parar fazer com que o ódio fosse extinto daquele âmbito, mas o que eu conseguia era algo efêmero e raso que não durava sequer algumas horas. Então eu me cansei e resolvi ir morar em outra casa, com a minha futura esposa. Sim, eu senti um imenso amor crescendo dentro de mim e eu não o mantive entre paredes, eu o deixei crescer e florear. Foi quando ela engravidou dos gêmeos. Nosso dinheiro não crescia em árvores, mas cortando muitos luxos nós conseguíamos providenciar o básico da alimentação, vestimenta e educação. O resto, todas as lacunas matérias eram docemente preenchidas com amor incondicional e com dedicação familiar.
Mas é muito complicado, eu, uma ser altamente enfraquecido pelo amor, deixar de sentir um remorso que crescia e me corroia feito um câncer maligno quando eu pensava nos meus parentes que se odiavam (meus irmãos e pais) e principalmente na minha mãe, que querendo formar uma nova família, se associou ao inferno.
Fiquei sabendo que uma guerra havia realmente sido declarada entre eles. Meus tios querendo arrancar os olhos dos meus irmãos, meu pai querendo esquartejar meus avós paternos (sim, era apenas o sangue paterno o contaminado pela raiva e pelo ódio). Na semana seguinte, tomei conhecimento que um dos meus primos havia sido esfaqueado pela minha avó e isso fez com que ela perdesse muito sangue pois ninguém permitiu que a ambulância o levasse para o hospital. Quando lá chegou, em estado de choque, ele passou pelo infernal tratamento público que nosso país oferece, mas morreu antes de conseguir repor seu sangue.
Diante disso, eu, temendo pelos meus familiares mais próximos, tentei apaziguar todos. Conversei com cada um deles, mas encontrei apenas armas apontadas em minha direção e ameaças a mim e a todos da minha família.
Eu me lembro como se fosse hoje quando eu cheguei à casa dos meus pais e lá estava uma guerra sendo travada. Meus irmãos choravam com seus olhos esbugalhados de ódio enquanto lutavam contra uma reunião de primos e tios que se organizaram pra acabar com a gente. Ninguém deveria sair vivo. Entrei correndo. Meu pai sangrava pela boca e tinha uma das pernas esfoladas, mas ele não parava de golpear com o facão. E quando eu cheguei à cozinha, próximo ao fogão eu encontrei o que eu mais temia: minha mãe, ou o que restava dela, caída ao chão, sem braços ou pernas e ainda agonizando. O chão branco da cozinha se tornara vermelho, uma poça caudalosa de sangue. Joguei-me ao chão e olhei em seus olhos. Eu vi quando suas pupilas dilataram.
Eles haviam encontrado minha mãe sozinha em casa. Resolveram tortura-la antes de dilacerarem seus membros.
Eu senti algo escorrendo de mim, como uma artéria aberta, jorrando e jorrando, enquanto outra substância me preenchia. Esta agora, era negra e quase sólida.
Levantei-me devagar como se fosse uma criatura feita de sangue, pois estava coberto com o liquido que coloria o assoalho da cozinha. E aí eu perguntei silenciosamente pra deus o que ele queria me dizer com essas atitudes. Eu olhei pra cima e só vi o teto de concreto, sem nenhum deus para me responder qualquer pergunta, sem nenhuma palavra aconchegante ou calmante naquele meu momento de necessidade.
O que aconteceu logo em seguida foi que todos os meus músculos se relaxaram e uma incrível paz interior me dominou.
Os barulhos da guerra continuavam lá fora. Gritos, meus irmãos chorando enquanto lutavam, meu pai golpeando em silencio, totalmente fora de si.
Me abaixei na dispensa enquanto o sangue do chão coagulava entre os dedos dos meus pés descalços. Lá dentro encontrei um pequeno estoque de álcool. Seis garrafas fechadas e uma já aberta com um pouco mais da metade do conteúdo. Peguei um balde pequeno e o enchi com todo o álcool que encontrei. Peguei pedaços de jornal e também os fósforos e subi as escadas indo em direção à varanda. Lá de cima, com o coração extremamente confortável eu visualizei toda a guerra. Joguei todo o conteúdo do balde sobre meus tios e primos, como se fosse uma espécie de benção que eu lhes conferia com aquele conteúdo benzido pelo puro ódio.
Alguns não perceberam, mas antes que pudessem fazer alguma coisa, eu já estava com um chumaço de jornal aceso em minha mão. É impressionante como o fogo produzido pelo álcool produz uma chama quase invisível. Era percebido que havia fogo, pois todos gritavam desesperadamente enquanto suas roupas se dissolviam e o cheiro de cabelos chamuscados e pele queimada subia pelo ar... eu me sentia como um artista que dava os últimos retoques na sua melhor tela.
Enquanto ainda queimavam e eram dilacerados pelo meu pai e irmãos, eu saí andando, largando o grande amor que eu sentia pra trás, deitado morto na cozinha.
Passei em casa e ninguém estava lá. Peguei algumas roupas, coloquei na mochila. Não deixei bilhetes nem presentes, simplesmente parti.
Creio que muita gente deve ter achado que eu fui embora para fugir da polícia. Mas eu estava fugindo do amor e do afeto que ainda poderia restar em minha vida. E assim eu continuo pulando de cidade para cidade, trabalhando nos lugares mais fétidos que encontro e que me paguem o mínimo para comprar cigarros e um prato de comida por dia. Não quero amigos, não quero amores, não quero viver muito. Só quero aceitar a herança que corre nas minhas veias, o ódio e a sede pelo sangue.

2/19/2009

A. entra na casa. Olha para o teto que é na verdade um forro de PVC sujo e embolorado. Ele acha que será mais uma noite em sua vida. Olha para os lados e descobre que todos já tem o que fazer. Não há ninguém além dele. Ele se deita no sofá e dorme. Os pés aparecem pra quem olha do lado de fora da porta.

Eles entram, enchugam com balas incandescentes todas as memórias de cada uma das pessoas daquela casa velha.

A. é agora zero.

E nós?

Conseguimos entender de quem é a culpa? Conseguimos entender quem sofre mais?

Precisamos saber que a infância tem fim e que na verdade, os brinquedos podem significar mais do que a diversão.

Meus pêsames a todos.

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