2/21/2007

Amargo

Caroline contemplava os animais em suas jaulas pela tv e não sabia ainda direito se era correto ou não mantê-los ali, presos, longe do seu habitat. Estavam a salvo de uma possível extinção mas estariam livres da vida também.
Levantou-se, andou um pouco pela sala do seu apartamento e começou a olhar pela janela do 14º andar. Era domingo e ela realmente não sabia o que fazer com que estava dentro dela, uma escuridão completa misturada a claridade excesiva da cocaína, a vontade não lúcida de existir, além do normal.
Lembrou-se então dos seus pais que nunca saíram da cidade pequena em que moravam. Nunca se arriscavam, nunca pensavam em viver uma vida além dos seus próprios horizontes. Caroline se perguntava se eles haviam sido felizes enquanto estavam morando naquela casa feita de tijolos velhos e barro. Mas ela não conseguia encontrar sorrisos autenticos em sua memória. Sua mãe estava sempre com um riso amarelo estampado nos lábios e seu pai só sabia reclamar em voz baixa, com a cabeça entre as mãos e olhando o chão.
Ela nunca se sentira tão livre quanto agora, ninguém nunca descobriria o que ela havia feito e ela estaria com tudo o que poderia precisar para ter uma vida perfeita. Mas ela não sabia o que fazer com tudo aquilo que havia dentro dela. Ela queria poder voar e queria poder estar em vários lugares ao mesmo tempo, ser onipresente, ser grandiosa. A cocaína aumentava o seu angulo de visão e isso fazia com que ela se diferenciasse dos seus tão pequeninos e escondidos pais.
As árvores do outro quarteirão estavam com uma folhagem tão bonita agora, e ela nunca havia percebido isso. Se lembrou das folhagens das árvores que estavam plantadas ao redor de sua antiga casa e fechou os olhos para poder ver melhor, mas agora as coisas nunca mais poderiam ser as mesmas. Faziam já 2 anos que ela estava em outro universo, em outro mundo completamente diferente. Na urbana e agitada vida da cidade.
Caroline andou até a cozinha e queria um copo de café. Estava com uma vontade absurda de fazer sexo e não sabia como se satisfazer. Porque tudo em sua vida agora parecia ser tão possível de ser realizado e tão complexo ao mesmo tempo? Ela se lembrou de uma frase que lera em um anúncio antes de sair da casa de seus pais: "seus sonhos estão nas núvens? Pois estão no lugar certo, comece agora a construir os alicerces".
Se serviu de uma xícara de café muito quente e queria beber pequenos goles sem esfriar, para que pudesse desafiar seus próprios limites. Caroline se queimava e se entusiasmava, colocando a mão por baixo da saia e encontrando-se molhada pela liberdade. E sem perceber, começou a lentamente a se masturbar. A vontade de sentir o que era o máximo era muito grande, era infinita, ela não sabia o que fazer com tanta vontade, com tanta grandeza dentro dela querendo explodir. Entornava aos poucos pequenas quantidades de café quente em seus seios e sentia dor, gritava, e continuava a se masturbar.
Lembrou-se do dia em que ela resolvera fazer tudo o que tinha em mente. Sabia que seus pais estavam guardando dinheiro para que ela pudese ir para uma faculdade particular e essa quantia já devia estar bem generosa. Seduziu então o jovem Jobir, de 17 anos que queria acima de tudo provar o gosto de Carolina. Então eles foram pra casa de barro e enquanto os pais dela estavam ainda do lado de fora eles começaram seu ato de sexo no lugar mais acessível da casa. Ela gritava de prazer e dor por estar perdendo todas as virgindades possíveis. Jobir estava muito concentrado quando recebeu o golpe na nuca que o deixou caído no chão. O pai de Carolina os havia pego em flagrante e gritava sem parar. Jobir levantou-se do chão com as calças abertas e, enquanto chorava de tanta raiva, esmagou o crânio do pai de Carolina com uma cadeira. Ela sorria levemente por seu plano estar dando certo.
Todas essas lembranças faziam com que ela chegasse ao quase orgasmo enquanto se deliciava em sua cozinha e em seu café.

__________continuação
Ela continuou a se lembrar como se tivesse sido ontem, quando Jobir se desesperou e esmagou a garganta da mãe de Carolina, enquanto ela tentava proteger o marido. Ele, então, olhou para Carolina com um ar de perdão e viu que ela segurava em suas mãos uma arma. Planejadamente, atirou na cara de Jobir e por alguns instantes contemplou a mistura dos sangues na sala da casa que tanto odiava.
Foi vista como vítima. Pegou todo o dinheiro e foi para a cidade. Alugou um apartamento de onde poderia ver o mar e ver que era livre.
Agora ela estava ali, na cozinha, queimada e ainda não havia gozado. Parou de repente, abriu os olhos e se contemplou em um espelho. Caminhou lentamente até a sala e viu o pó branco sobre o vidro da mesa. Cheirou. Sentiu. Lembrou.
Agora ela se via abraçada com o pai, enquanto ele a salvava de uma correnteza, quando ela queria na verdade pegar um briquedo que caíra no rio. Viu-se dormindo nos braços da mãe enquanto estava com febre e não estava com forças o bastante para se levantar. Lembrou-se de que ela não odiava seus pais que tanto a amavam. Olhou para dentro de seus próprios olhos e viu de quem era o ódio que ela sentia. Um auto-ódio por nunca haver se encontrado de verdade, e agora, ali estava ela, amedrontada por ver quem ela era. Caminhou lentamente até a varanda. Abriu as portas e contemplou o mar. Ela queria voar até lá. Ela queria ser parte do universo, mas isso parecia ser impossível. Ela queria poder acordar um único dia de sua vida e se sentir completa. Mas não conseguia, havia sempre algo faltando. Subiu então no para-peito. Inclinou-se para a frente, olhou o mar, queria voar até lá. Se lançou em uma queda livre, enquanto chorava por não ser, o que só deixou de ser, quando encontrou o chão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Qualquer semelhança com a vida real, não é mera coincidência... É a realidade de muitos, que trocam tudo aquilo que pode ser dito como princípios ou valores por amor às paixões (seja lá a quem ou ao que for)e desprezo pela vida alheia e pela de si próprio.