8/21/2017

Apesar de não verem a luz do sol já há alguns meses, o mundo sintético em que viviam já não importava tanto quanto o que um sentia pelo o outro. A fome completa entre os dois fazia todo o resto deixar de importar.

Nessa altura do ano, o frio cortava suas peles e, com o pouco de crédito que conseguiam dispor, o único cômodo daquele apartamento (que mais parecia uma caixa de sapatos) que conseguiam permitir estar a uma temperatura maior era a sala.

Entraram em um beijo frenético no aparamento, mal fecharam a porta. Suas mãos passeavam um pelo outro, seus olhos se mantinham abertos, como se para tentar estudar cada textura do outro ser ali presente. Foram se despindo, mas um deles resolveu ser um pouco cauteloso. Levantou-se sedento por um instante (já estavam jogados ao sofá) e cobriu a tela com um pano. Os dispositivos móveis foram colocados numa gaveta e tudo mais desligado.

"Assim talvez eles não nos vejam", disse, num absurdo de desespero por privacidade.

Os beijos voltaram cada vez mais intensos. As mãos já tocavam o sexo um do outro e os olhos permaneciam abertos. Eles sabiam que nada daquilo era real, que tudo era uma verdade montada por uma grande empresa que cobrava a cada um deles um trabalho árduo em desenvolvimento tecnológico para que não fossem colocados em "coma", num estado de suspensão onde o corpo permanece vivo, mas a mente, em um estado de inexistência. Não sabiam sequer se o outro era real, algo que existia fisicamente em algum lugar do universo, ou se era apenas mais uma personalidade simulada que tinha algum objetivo específico.

A paranóia dos anos 1990, década essa que certamente não era a correta, que não era senão uma mentira dentro de uma mentira, era a doença entre os jovens dessa geração.

Nus, iniciaram um sexo oral mútuo, abocanhando vorazmente o sexo do outro, em meio a gemidos e agarrões, buscavam apenas pelo orgasmo mais forte, aquilo que os desligaria por milésimos de segundo e os levariam a um paraíso ainda em vida.

Nenhum deles precisava se importar com doenças, elas não existiam mais. Ninguém também se importava com fertilidade, isso não fazia mais sentido. No ano simulado, tudo podia ser perfeito, se pudesse ser pago.
Os sexos se uniram, sem proteção, pele e pele em um atrito sôfrego onde cada milímetro de toque parecia uma eternidade. Começaram a gemer alto e isso dava a cada um deles a certeza de que aquele momento era o melhor momento de todos. Palavras sujas começaram a ser ditas. "Goza pra mim" tornou-se um refrão. Seus cabelos estavam desgrenhados, suas maquiagens, borradas. O suor fazia parecer que o frio lá de fora não importava mais e fazia com que suas peles deslizassem, o que facilitava o movimento cada vez mais animalesco da foda.

Em um instante de contração muscular desordenada e mútua, gozaram forte sem fechar os olhos, ainda estudando o corpo um do outro a cada instante.

Caíram lado a lado, ofegantes. As telas escondidas, a privacidade era um ponto de interrogação. Ninguém deveria saber deles, mas eles sabiam que qualquer um já deveria saber.

Voltaram a acordar na manhã seguinte, sem sol, sem som (até que se ligasse os ouvidos), sem sabor e sem cheiro.

A vida apenas fez sentido naquele momento e agora retornava para a sua rotina rodeada de lixo. Uma escravidão sem a liberdade da morte, sem a possibilidade de uma segunda chance, sem curvas ou encruzilhadas. A vida havia se tornado um produto, e era preciso ter lucro.


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