4/15/2012




Tarde da noite, na pequena cidade de Edimburgo dos Sete Mares, John Lavarello caminhava por uma das poucas ruas da cidade que se resumia a menos de 300 habitantes. Ele se sentia sozinho por mais que estivesse cercado por sua família e seus amigos. Absolutamente nada que havia acontecido em toda a sua vida havia lhe chamado a atenção. Ele desprezava sua vida sem valor.


Tentando lidar com o vazio, John imaginou o que poderia acontecer se inesperadamente ele desaparecesse. Sentiu que ninguém notaria sua falta com poucas exceções. Claro, essa previsão se baseava nas horas ou dias que se seguiriam a seu sumiço. Meses depois todos os habitantes já estariam tentando recordar-se do que o jovem mal encarado e quieto fazia.

John acende um cigarro enquanto olha ao longe algumas ondas mais altas se quebrarem. O dia seguinte será feriado, não há nada pra fazer a não ser se sentar em algum lugar e beber até ficar dormente.

Ele se levanta com uma dificuldade anormal. Não sabe o que está acontecendo. Suas pernas não lhe obedecem mais. O chão se aproxima do seu rosto rápido demais para mesmo emitir um grito e, no instante seguinte, quando recobra os sentidos, está no chão, de bruços e com a cabeça virada para o lado. Não consegue mover nenhum músculo. Nem mesmo pisca. Sua pele esquenta e fica vermelha. Sua respiração e batimentos cardíacos se reduzem tanto que quase são imperceptíveis.

A noite passa e John nada pode fazer. Apenas olha a paisagem solidificada de sua cidade ao dormir.

Quando o sol começa a aparecer, fazendo seus olhos doerem com suas pupilas dilatadas e solidificadas (o que permite a entrada de uma quantidade anormal de luz), as primeiras pessoas começam a sair de suas casas. Não demora muito para alguém encontrar seu corpo.

- Oh meu deus, alguém se feriu!
- Ele está morto?
- Não sei...
- Encoste nele homem! Se ainda estiver vivo, temos que tentar salva-lo.

Os batimentos do coração e a respiração nem são percebidos, mas quando viram John com o peito pra cima para tentar uma massagem cardíaca, percebem que sua pele está quente. Como se queimasse de febre. Concluem que ele está vivo, mas não conseguem explicar como. O levam para a enfermaria da cidade e tentam faze-lo melhorar.

Nos calendários da cidade, o ano de 1965 se perdia à deriva, como uma embarcação em alto mar.

Deitado na cama com seus olhos semi-abertos, John se espantou em ver seus pais se revezarem com seus irmãos para cuidar dele. Rezando todos os dias, dando banho em seu corpo paralisado e que teimava em não esfriar, mesmo com medicamentos fortes para a febre.

Amigos o visitavam sem parar. Deixavam presentes, dinheiro, remédios. Choravam muitas vezes. Mas John não conseguia se mover mesmo assim.

Os anos se passaram e John podia ver que seus pais aparentavam cada vez estarem mais velhos. Seus irmãos antes pequenos tornaram-se adultos, passaram a lhe visitar com as esposas, depois com os filhos e com os netos. Primeiro sua mãe não vinha mais e seu pai, muito velho e debilitado conversava com ele dizendo que brevemente não estaria mais ali para cuidar dele. Beijava-lhe a testa sempre quando chegava e quando partia.

John viu seus irmãos ficarem com cabelos brancos e magros. Os viu sendo trazidos com a ajuda de seus netos, que já estavam casados e com filhos. E por fim, nenhum de seus irmãos ou amigos vinham mais vê-lo.

Mudaram-lhe para um outro quarto. O teto era mais baixo, mas o cheiro era melhor, mais fresco. Os médicos usavam cortes de cabelo diferentes. Suas roupas mudavam muito de estilo enquanto ele observava os dias passarem.

E os bisnetos de seus irmãos ficaram velhos e carecas. Ele nunca mais os viu de um tempo em diante. Ficava lá, deitado sozinho, queimando de febre, respirando quase nada e com o coração praticamente parado.

Uma forte chuva começou a cair do lado de fora. John piscou brevemente. Sentiu frio e percebeu que seus dedos voltavam a ter tato.

Levou dois meses para John conseguir se movimentar normalmente, dobrando suas articulações há tempos paradas. Sua respiração e batimentos cardíacos voltaram ao normal. John não havia envelhecido nem um dia sequer. Até o pequeno corte em sua face, que aconteceu quando caiu no chão, ainda estava lá.

Caminhou até uma tela colorida que mostrava as horas e a data.

5 de abril de 2193.

Chorou. Havia perdido tudo no tempo, evaporado diante de seus olhos. Tudo o que ele tinha e que ele nunca havia prestado a atenção. Todos os bens que ele nunca mais poderia recuperar: as pessoas que o amavam.

Não há relatos de nenhum caso médico parecido com o de John em todo o mundo. Sabe-se apenas que ele entrou em uma espécie de condição de hibernação extrema que pôde ser revertida naturalmente depois.

Quando ele finalmente saiu do hospital, a pequena ilha de Tristan da Cunha não era mais a mesma. Não tinha nem um décimo da beleza e poesia de antes.

Ele foi levado a seus parentes ainda vivos. Descendentes de seus irmãos.

Morreu com 105 anos de idade (se forem subtraídos os anos em que ficou hibernando). Casou-se logo, teve 5 filhos e amou a todos a cada minuto de seus dias.

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Todos somos especiais. Por mais que a vida não reserve nada de estupendo ou grandioso, o fato de estarmos vivos é em si um maravilhoso motivo a ser comemorado.
O amor é a lei universal. Está acima de todas as leis e mandamentos.