10/19/2006

MADEIRA

A metamorfose de minha cara não existe
Apenas o desgaste e a terrível solidão
A veracidade da minha garganta se partiu
Na antiga conclusão fodida de ser alguém
Mas meus esforços se ergueram em vão quando apenas o que eu queria era me reerguer da praia e encontrar o sol
Mas meus dias se pareceram cada vez mais vazios quando a incrível apatia se tornou parte do meu século
Eu vejo minha face na superfície espelhada
E continuo sem entender
A eterna busca continua a existir
A eterna derrota diante da vitória de continuar vivo
A eterna vida monótona diante do salto mortal para a aventura
O corte é apenas o significado mais fictício para a minha vida
Então, foda-se o fictício e foda-se a minha vida
Fodam-se todos assim como eu me fodi
Contruir uma parede parece ser mais fácil do que é quando na verdade os muros te fastam do resto da humanidade
Não quero tentar ser - eu sou
Não quero tentar saber - eu sei
Não quero tentar existir - eu existo e por fim, não quero ser mais um desses que se intitulam filhos de deus
Porque a verdade é absoluta assim como a razão encherga no escuro.

abacabb

O RISO DO MUNDO

O RISO DO MUNDO (Parte 1) - Amanhã será o mesmo dia de hoje - ele disse para o espelho, em sua casa mais que espaçosa onde morava solitário. 4:30 de uma manhã igual a todas as outras. Nada parecia fazer muita diferença na vida de Bram. Todas as coisas pareciam totalmente desinteressantes para um homem que tinha tudo e que se não tinha, mandava comprar. As doenças haviam sido despejadas de sua mansão em um ralo de ouro, e todos os outros que antes dividiam sua grandiosa morada estavam agora ou debaixo da terra ou em outra parte do país. Ele havia se cansado das festas e do sexo de graça e sem amor. Foi quando resolveu que uma mudança poderia acontecer em sua miserável vida, se ele realmente encontrasse o amor verdadeiro. Na tarde seguinte da descoberta que ele mesmo conseguira com o seu reflexo no espelho (conversar com espelhos era natural para Bram) ele resolveu viajar para Paris. Em algum lugar estava escrito que essa era a cidade do amor. Estranhamente Bram resolveu colocar um belo exemplar de um livro que adorava na cabeceira da cama que deixaria desarrumada. Ali estavam páginas escritas à mão, sobre o texto do próprio livro, onde ele descrevera o sonho daquela noite. Não soube porque, estava fazendo com que o sonho fosse transposto para a sua vida naturalmente, sem esforço. Quando a caneta finalmente terminou de ser usada ele hesitou em continuar. Olhou para a fina pele da parte de dentro do seu antebraço e resolveu quase simultaneamente fazer o que fez: um golpe com a ponta da caneta em uma pele antes perfeita. O furo deixado pela esferográfica foi ligeiramente profundo e o sangue escorria devagar. Olhou para a janela que estava aberta e percebeu o tom avermelhado que o céu demonstrava, o lindo e perfeito céu vermelho, a única coisa capaz de fazer com que um leve sorriso fosse dado por Bram. O riso da contemplação, da agonia da dor em seu antebraço, do nervosismo pela sucessão de fatos e imagens tão nítidas em realidade quanto em sonho. O riso do mundo, o riso de quem tem o mundo. O riso de Bram, o vazio. As lágrimas misturadas ao sangue soariam muito estranhas a qualquer um que entrasse agora em seu quarto, mas ele estava seguro de que isso não aconteceria pois ele havia dispensados todos, inclusive os serviçais. Três páginas depois da última página usada para relatar o sonho Bram ele batizou com três gotas de sangue. Três páginas antes da primeira usada, ele pingou novamente as três gotas e na terceira página de seu texto ele pingou as últimas três. - Sangue e poema. Tudo o que eu sempre achei ridículo! Saiu do quarto levando apenas a carteira e uma caixa de papel descartável. Deixou o livro fechado e a janela aberta para que tudo o que quisesse invadir a sua vida entrasse sem pedir permissão. Ele sabia o que tinha feito e sabia também que poderia ter boas visitas, mas que as janelas estavam abertas também para todo o mal que quisesse entrar. Chegou ao aeroporto e estava se sentindo mais vazio do que nunca, ele precisava rápido de algo para corrigir isso e qualquer coisa serviria, vindo de onde viesse. Imaginou o mundo sem ele e chegou a conclusão de que nada de diferente aconteceria. Sua insignificante presença só era importante quando dizia respeito aos negócios e disso ele já estava farto. Pela primeira vez na vida ele havia chagado a essa conclusão de uma maneira clara. Sua luta que durara desde sua juventude, a mesma que havia feito com que seus bolsos ficassem cheios de dinheiro era agora desvendada como um fardo pesado que aparentemente o consumiria até a morte ou até ao extremo da riqueza.

O RISO DO MUNDO (Parte 2)

O avião estava pronto para o embarque. Ele se desprendeu de seu mundo interior e se levantou. O único que não despachara nenhum tipo de bagagem. Estava apenas com a roupa do corpo e o bastante em contas bancárias que poderiam ser acessadas a qualquer momento e qualquer lugar do mundo para que todas as suas necessidades fossem sanadas. Embarcou então. Por um breve momento ele não sabia mais o porque da viagem e concluiu em fração de segundos que era pra fechar mais um negócio. Ridiculamente ele se sentou. Sua face estava com o mesmo ar enrijecido de sempre. As mãos estavam juntas no colo e o olhar fixo em algum lugar da parte de cima do interior do avião. Passava um ar de dureza e de respeitabilidade. Lembrou-se do sonho e olhou rapidamente para o antebraço. O que estava ali não se podia ser explicado por palavras normais. O nome Amada estava escrito nitidamente pelo sangue que escorreu e coagulou da ferida aberta pela caneta. Desconsertado, Bram se levantou para lavar aquele sangue, mas não conseguiu chegar ao banheiro do avião pois uma das aeromoças o advertiu que o avião já estava para decolar e que ele teria que se sentar. Intrigado, Bram se lembrou das três mulheres que estavam em seu sonho. Uma delas tinha um livro sob o braço esquerdo. Ele não conseguiu entender o que estava acontecendo mas conseguiu saber seu nome como que por telepatia. Amada. Um repentino medo de adormecer durante a viagem o invadiu. O medo de saber quem era Amada e as outras duas era forte demais. O rosto que passava a dureza de uma rocha agora parecia um iceberg. De repente, duas horas depois de estarem voando, um aviso do comandante foi dado pelos auto-falantes do avião: Atenção passageiros da aeronave nº36925, entraremos agora em uma turbulência de intensidade mediana, executem por favor os procedimentos de segurança para que ninguém se machuque. A turbulência começou em menos de cinco segundos após o aviso do piloto e era muito mais forte do que mediana. A força era tanta que os passageiros que se encontravam sem os cintos de segurança foram jogados ao chão. Bram se sentia mal, não por saber que a possibilidade de perder sua vida era muito forte, mas por saber que se morresse, de nada haveria valido seu esforço. A perda da juventude. As noites mal dormidas por causa dos estudos e de todas as rotinas de trabalho. Nada disso era importante agora. Todo o seu dinheiro não valia nada lá em cima. Todo o seu esforço era menos que um centavo. Toda a sua vida era inexistente. Bram já estava morto e só percebeu naquele momento. Sua cabeça se chocou fortemente contra alguma coisa que não conseguia identificar e ele perdeu os sentidos. Estava agora viajando para um lugar que não sabia onde se encontrava e não sabia se poderia voltar ou se poderia ter o que tinha em toda a sua vida daqui pra frente. Abriu os olhos e viu que ainda estava dentro do avião. Olhou o relógio e viu que apenas poucos minutos haviam se passado, mas o mais interessante é que o avião estava completamente vazio. Olhou desesperadamente pela janela para ver se estava ou não no ar mas não conseguiu tirar nenhuma conclusão, havia uma névoa que cobria a janela do avião que fazia com que a visibilidade fosse zero. Levantou-se e preparou para abrir a porta. Não havia som algum, nem a sua própria voz parecia sair. Olhou para o braço e viu o nome e se lembrou do que tinha feito. Quando o ânimo finalmente venceu o desespero que havia se instalado naquele instante ele levantou a cabeça e segurando fortemente a maçaneta da porta, a abriu. Nada aconteceu, apenas a luz que brilhava forte do lado e fora invadiu o avião. Ele estava em terra.

O RISO DO MUNDO (Parte 3)

Bram havia percebido que estava em terra assim que abriu a porta do avião. Quando finalmente conseguiu perceber imagens na extrema claridade ele conseguiu ver árvores e alguns dos tripulantes sentados no chão, a espera e alguma coisa. Ele correu mais rápido que podia e chegando lá perguntou: - O que aconteceu? O avião caiu? - Fez um pouso forçado ¿ respondeu alguém. - Alguém se machucou? - Só você. Como está se sentindo? A batida da cabeça foi muito forte? Bram levou a mão até a cabeça e descobriu um enorme inchaço. A batida realmente parecia ter sido forte. - Quem é você? - perguntou Bram. - Me chamo Beatriz. Bram havia notado que Beatriz era umas das aeromoças que estavam na aeronave. Foi ela que não permitiu que ele fosse lavar o antebraço avisando que o avião estava para decolar. O nome, esse nome que ele não entendia o que queria dizer. Ele desdobrou a manga da camisa e tentou cobrir para que ninguém pudesse notar. Ele tinha que entender o que aquilo queria dizer. Se sentou ao lado da aeromoça que havia chamado a sua atenção por sua beleza, mesmo estando desarrumada e com a maquiagem borrada. Sentiu seu cheiro e pela primeira vez na vida não se sentiu tão perdido e sozinho. Sabia que tudo o que ele era e tudo o que ele tinha não adiantaria nada no lugar onde eles estavam agora. Finalmente ele era igual a todos os outros. Nem menos, como era em sua infância, e nem mais, como costumava parecer depois de seu sucesso empresarial. Olhou para Beatriz e ela não parecia estar muito contente. Visualizou cada um dos passageiros agora aguardando na sombra de uma árvore que ficava perto de onde a nave havia feito o seu pouso forçado. Olhou novamente para Beatriz e disse: - Desculpe, mas não disse meu nome. Bram, muito prazer. Estendeu a mão para Beatriz e ela lhe proporcionou o aperto de mãos que estava esperando, seguido de um sorriso que era no mínimo forçado. - Como estão as coisas para nós? - perguntou Bram. - Não muito boas. Aparentemente, ninguém consegue fazer contato. Acho que vamos ficar aqui por um bom tempo. Nem sequer sabem onde estamos. Bram não se sentiu desesperado. Ficou apenas pensando se isso era resultado de sua pequena magia antes de sair de casa. Ele queria fugir daquela vida onde tudo era previsível e havia conseguido uma situação totalmente imprevisível. Levantou-se e ergueu sua mão para Beatriz. - O que você quer fazer senhor? - perguntou ela ainda mantendo a sua postura de aeromoça. - Descobrir algum lugar onde possamos esperar. Um lugar onde possamos conversar para passar o nosso tempo. Gostaria muito de saber sua vida.

O RISO DO MUNDO (Parte 4)

Relutante, ela pegou a mão de Bram. Estava pensando que não era um bom momento para tentar seduzi-la. Caminharam sobre uma areia fina que parecia nunca ter sido pisada por alguém no mundo. E viram a praia ao entardecer. Sem motivo algum ela o abraçou e encostou a sua cabeça em seu ombro. Ele encarou aquilo como a coisa mais natural do mundo, como se ela já fosse uma pessoa que fazia parte de sua vida e que estava repetindo mais uma vez um ato muitas vezes antes feito. Ele perguntou a ela o que a estava deixando triste, porque sabia qual era a diferença de se estar triste e estar preocupado. Ela lhe disse que as vezes a vida tenta nos dizer algo mas nós não entendemos, como no dia em que sua mãe, Amada, uma pessoa ótima, morreu de uma doença muito cruel. Bram lembrou-se do braço. E viu que a ligação estava feita. Deus não joga dados, tudo estava perfeitamente concluído antes mesmo de ter começado. O sonho, o sangue nos poemas. Tudo estava ligado. Beatriz lhe disse que há alguns meses, o seu namorado, o mesmo que namorava desde que era adolescente havia ido embora sem deixar nem uma carta para ela. Partira com outra mulher com quem já tinha um filho pequeno. A tristeza era mais pelo desapontamento do que pelo amor. - Eu sei o que é isso. ¿ disse Bram. - Você já passou por isso antes? - Perguntou Beatriz. - Não, mas sei me colocar muito bem no lugar dos outros. Isso foi sempre uma das coisas que eu sabia fazer de melhor. Eu consigo imaginar como você deve estar se sentindo, apesar de nunca ter havido ninguém na minha vida. - Você nunca teve ninguém? ¿ perguntou Beatriz espantada ¿ Nunca teve uma namorada ou alguém que lhe completasse? Bram viu que a resposta mudaria brevemente. Olharam-se e nada mais precisou ser dito. Às vezes a vida nos conduz a caminhos aparentemente sem sentido. Às vezes nos sentimos completamente perdidos, mas no final de cada trilha há sempre a resposta. É o que há de melhor na vida, o que ela nos reserva a cada dia que passamos aqui nesse mundo. É preciso entender que no final todas as coisas se resolvem de alguma forma. Bram e Beatriz beijaram-se e entenderam o porque do pouso forçado daquele avião. Entenderam porque a vida precisou que eles estivessem ali, em uma ilha afastada do resto do mundo para que eles pudessem se encontrar e descobrir o que cada um deles significava para o outro. Foram regatados alguns dias depois. Ninguém morreu e nem ficou doente pois haviam mantimentos no avião. Muitas pessoas encontraram o final de alguns caminhos da vida naquele dia e muitas apenas entraram em novos caminhos. Estamos em um infinito labirinto. Eles se mudaram para a casa de Bram. E em pouco tempo novas estradas foram abertas e sabiam que tanto o mal quanto o bem poderiam passar por ali. Em dois anos nasceu Amélia. Uma linda garotinha que parecia ser um presente do céu. Um ano depois nasceu Davi, uma criança que tinha em seus olhos a profundidade de muitas vidas. E quando ele olhou pra trás e viu o seu passado, entendeu que tudo deveria ter acontecido exatamente daquele jeito e que nunca mais se culparia por nada que havia feito ou deixado de fazer. Pois pra tudo há um sentido e um significado que as vezes está além de nossas possibilidades. Porque somos apenas humanos.